Pelo menos de vez em quando, é bom que a gente se lembre do que já se passou, pois hoje é consequência de ontem e o amanhã será de hoje.
Nos primórdios da criação paulista, por volta de 1935 a 1946, Erasmo Assumpção era o líder de sua família. Era uma família numerosa, pois o pai havia se casado por uma segunda vez quando viúvo. Do primeiro casamento era Erasmo e Antonio Álvaro, e do segundo muitos outros. Erasmo e Antonio, mais conhecido como “Seu Antonico”, mexiam com café que à época era o ouro brasileiro. Exportavam café para o Japão, na época distante de um mês de navio. O negócio era grande, e o Seu Antonico foi morar no Japão, para receber e distribuir a mercadoria. Lá ficou por 10 anos, e quando voltou trouxe um rapaz japonês de nome Mori, que foi o seu braço direito em sua vida de negócios. Mori era trabalhador, honesto, competente, era a ele que o Seu Antonico se dirigia, apesar de ter três filhos homens e uma mulher, de nomes Maurício, Mauro, Antônio Álvaro, e Maria. Mauro era o único que gostava da criação e das corridas de cavalos. Inteligente, esperto, sempre de bom humor, Mauro Assumpção era amigo e conhecido por todos os turistas da época. Erasmo e Seu Antonico eram mais do que irmãos, eram amigos, e seus negócios eram compartilhados. Após a volta de Seu Antonico do Japão, ele e o irmão Erasmo entenderam que havia chegado a hora de se separarem financeiramente, pelo volume de dinheiro, de filhos, e de netos, e havia que serem prevenidos eventuais problemas futuros. Naquele momento, eles haviam importado da Inglaterra o garanhão Shah Rookh, e tinham o nacional Trunfo, grande ganhador de corridas em Cidade Jardim, no haras. Erasmo montou no município de Jaguariuna o Haras Castelo, e o Seu Antonico um de nome Itatinga, lá pelos lados de Botucatu, uma área que era usada como descanso das boiadas que vinham andando do interior. Essa zona, perto do Tietê, tinha ótimas pastagens naturais e lá o gado se recuperava muito bem da exaustiva caminhada, antes de seguir viagem. Foi o momento de divisão de animais, e o único problema era decidir quem ficaria com Shah Rookh e o Trunfo. O Seu Antonico disse logo que o irmão Erasmo era o chefe, e que a ele naturalmente deveria caber o Shah Rookh, grande esperança. Por sua vez, Erasmo dizia que se ele é quem deveria decidir, e ele entendia que o inglês iria para o irmão. Depois de muita conversa, os dois irmãos querendo ceder o pretenso melhor para o outro, Erasmo aceitou a proposta de Seu Antonico, e como chefe, receberia Shah Rookh e imediatamente o dava de presente para o irmão. Os dois, Erasmo e Seu Antonico, eram na verdade reis no esporte das corridas de cavalos. Trunfo era um cavalo de gênio complicado, corria melhor na grama seca, bom corredor e garanhão razoável. Shah Rookh deu logo duas excelentes potrancas, uma líder e a outra vice-líder da geração, sem ser excepcional foi bom reprodutor. Depois de alguns anos, com as mortes de Erasmo e Seu Antonico, o Castelo passou para descendentes e depois foi vendido para o pai de Pedro Gastão Gonçalves Artmann, que posteriormente, se transferiu para Bagé,RS. O Itatinga morreu com a morte de Seu Antonico. Ele era um homem de boa estatura, inteligente, muito educado, e havia adquirido costumes japoneses. Passei uma semana na casa dele em São Paulo, que ocupava um quarteirão inteiro na então chamada Estrada Velha de Santo Amaro, hoje se não me engano chama-se de Avenida Santo Amaro. Era uma ótima casa, de um só piso, muito bem mobiliada com motivos japoneses, lindos biombos incrustados de madrepérolas, figuras de borboletas e pássaros, uma beleza, é um jardim enorme tudo gramado. Um dia o Seu Antonico avisou que o jantar seria estilo japonês. Os móveis da sala de jantar foram afastados, e em baixa mesa cercada de almofadas de seda foi servido um típico é delicioso jantar bem ao estilo japonês. Naturalmente o Seu Antonico compareceu com um luxuoso quimono, o sempre atencioso Mori servindo Sakê, na verdade um momento muito especial. O Seu Antonico aprendera a gostar de pérolas, e quando convidado a casamentos não comparecia, mas sempre mandava para a noiva um lindo colar de pérolas. No Haras em Itatinga, uma grande janela dava para um primeiro piquete, e nele não ficavam cavalos, mas bois de pelagem branca, que o criador chamava de suas pérolas. O filho Mauro era o responsável oculto de muita coisa boa que ocorria com os animais do Itatinga, mas oculto, pois seu Antonico não gostava de interferências. Erasmo era o mais velho, morreu primeiro, prestigiado pela família e por todos. O seu Antonico ficou doente, não suportava o intenso frio que no inverno fazia em São Paulo. Aconselhado pelos médicos, comprou uma casa no Rio de Janeiro no bairro de Laranjeiras, e lá ficou. Os seus então poucos negócios em São Paulo ficaram por conta do fiel Mori e do genro inglês Leslie.
Foram tempos saudosos que certamente não voltam mais.
Erasmo Assumpção – Seu Antonico – Haras Itatinga – Mauro Assumpção – casa de um só piso ocupando um quarteirão inteiro. Nunca mais.
Muitos anos se passaram, surgiram Haras de extremo valor e qualidade, houve um grande progresso, que substituiu aos poucos a época romântica.
Hoje o que se vê é um estrago no setor, comandado por incompetência administrativa dos governantes políticos de nosso país, para não dizer pior. Será que essa cambada ruim ainda vai demorar muito a sair?