Meu pai, meu herói, por Antonio Carlos Bolino » Jockey Club Brasileiro - Turfe

Meu pai, meu herói, por Antonio Carlos Bolino

O site do Jockey Club Brasileiro, em homenagem ao grande jóquei, recentemente falecido (14 de agosto), Antonio Bolino, reproduz, na íntegra, a carta escrita por seu filho Antonio Carlos Bolino, publicada no Jornal do Turfe e reproduzida no site de relacionamentos Facebook pelo jornalista Jair Balla:

MEU PAI, MEU HERÓI

“O que falar do jóquei Antonio Bolino? Um profissional que, até parar de montar, havia ganhado todas as provas do calendário clássico de São Paulo e as maiores provas do turfe nacional e sul-americano, admirado e idolatrado por estrelas como E.Amorim, J.M.Amorim, L.Cavalheiro, A.Barroso, J.Queiroz, G.F.Almeida, I.Quintana e tantos outros. Até mesmo a lenda I.Leguisamo se curvou ao seu talento.

A primeira vez que meu pai foi montar na Argentina (tinha 20 anos) venceu um Grande Prêmio com a égua Elizabeth, do Haras Ipiranga, no meio da reta a égua assumiu a ponta e suavemente meu pai a poupou, sem tirar sua ação e, quando as favoritas argentinas emparelharam, ele a exigiu novamente, vencendo a prova.

Leguisamo, que estava na arquibancada, desceu até a pesagem para cumprimentá-lo. Chegando lá, estarrecido, disse: “Vim aqui parabenizar um veterano e encontro um menino, imaginem quando tiver mais idade.”

Outro monstro sagrado das rédeas me contou, certa vez, um lance ocorrido num cabeça a cabeça, que demonstra toda sua genialidade. Entrou a reta final, meu pai por dentro, S.P.Barros por fora, evidentemente, para defender a corrida, o S.P.Barros ”deitou”, colocou parte do seu corpo apoiado em meu pai, quase sobre o cavalo que meu pai montava. Esta situação perdurou por quase toda a reta. O Quintana, que era fã do meu pai, vinha terceiro observando tudo aquilo e pensou: “Puxa, meu ídolo está deixando o S.P.Barros deitar e rolar em cima dele e não se defende”.

Segundo, ele ficou um fundo de decepção por aquilo a que assistia. Faltando poucos metros para o disco, sutilmente meu pai colocou a mão no joelho do S.P.Barros e puxou para trás, desequilibrando-o e desarmando o oponente. Final da história, primeiro no disco meu pai.

Ao voltar à repesagem, o S.P.Barros voltou esbravejando, dizendo que ia pedir sino de reclamação, foi quando o Quintana, que havia visto tudo, encostou com seu cavalo ao lado do S.P.Barros, que era seu compadre, e o repreendeu: “Compadre, se você pedir sino eu não falo mais com você. Você deitou e rolou a reta inteira em cima do homem e no final ele deu mais uma aula pra gente. Fica quieto e aprenda mais uma”.

O S.P.Barros voltou à repesagem e não pediu sino.

Muitas outras histórias do jóquei A.Bolino poderiam ser contadas, mas gostaria de falar um pouco do ser humano A.Bolino.

Relataram-me uma vez, se não me engano foi o C.Garcia, meu pai montava o favorito e o C.Garcia montava a segunda força do páreo, que era um animal que desgarrava, corria de roseta e mesmo assim sempre abria. O páreo desenrolava-se com C.Garcia na frente e meu pai em segundo, no meio da curva a rédea de dentro do cavalo montado pelo Garcia, que já vinha querendo abrir, arrebentou, meu pai percebendo aquilo acionou seu cavalo e colocou-se por fora do C.Garcia, fazendo uma barreira para que seu colega não se chocasse com a cerca de fora. Entraram na reta e meu pai foi até o disco ao lado do colega, impedindo um possível acidente. Cruzou o disco, meu pai pegou o que restou da rédea e ajudou o cavalo a parar, entregando-o nas mãos do punga. Resultado do páreo? Primeiro C.Garcia, em segundo A.Bolino.

Naquele momento o que importava a ele era preservar a integridade física do colega. Creio que só essa história é suficiente para dar uma ideia do ser humano que meu pai era. Incapaz de fazer mal a uma mosca, humilde, tímido. Essa timidez, aliás, lhe custou um GP São Paulo e um GP Brasil.

No GP São Paulo, o Kenético estava sem montaria, eu e minha mãe insistimos vários dias para ele pedir a montaria do cavalo e, quando se encheu de coragem, foi falar com o “peixe” (A.Oliveira). A montaria havia sido dada ao Barroso, cinco minutos antes.

Já no GP Brasil, além de sua timidez, também falou mais alto sua dignidade. Quinze dias antes do GP, decidiu-se que cavalo do Haras Rosa do Sul, ao qual meu pai montaria (tinha contrato com o Haras), não correria, insistimos para pedir a montaria do Gourmet (Haras Ipiranga), mas meu pai achava injusto com o J.M.Silva que já havia montado o cavalo na preparatória para o Grande Premio e que já havia rejeitado outras montarias em favor do Gourmet.

Em 2001 foi diagnosticado um câncer de pulmão, extremamente agressivo, e lhe deram 6 meses de vida. Meu pai lutou, resignado, quieto, sem se deixar abater, mostrou ser um homem forte, corajoso, jamais se entregou, mas após 12 anos de luta o câncer venceu.

Pai, você me deixou grandes lições de honestidade, coragem, dignidade e amor ao próximo.

Descanse em paz, Meu pai, Meu herói”.

por Antonio Carlos Bolino

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