Entre 1955 e 1960, o industrial Júlio Cápua investiu bem no turfe, importando poucas, mas ótimas éguas europeias. Na verdade, ele foi um desbravador da criação fluminense, com seu Haras Vale da Boa Esperança, em Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro, construiu uma pista da melhor qualidade. E como bom engenheiro, cuidando de detalhes importantes como escoamento técnico do excesso de água nos dias de chuva, granulometria do tipo de areia, curvas que não impediam o fluxo de velocidade dos animais. Enfim, com um trabalho da melhor qualidade, fez um centro modelar. Atualmente, já passados mais de 50 anos, a pista do hoje Centro de Treinamento Vale da Boa Esperança ainda deve ser considerada moderna, atual, ótima.
Júlio não dera um expert, entrou no turfe depois de moço, mas ia buscar animais de ótimos pedigrees na Europa, e pagava bem. Ele comprou de Marcel Boussac, um filho de Pharis em filha de Tourbillon, de nome Amphis. Era um castanho muito acima do bom. Amphis tinha um problema, o refinamento da cruza Pharis x Tourbillon algumas vezes resultava em problemas nos cascos. Eu mesmo tive uma filha desse cruzamento, importada da mesma procedência e que tinha cascos chatos, como se faltasse material no interior dos cascos. Era uma linda alazã que meu pai importou em um lote do qual ela era uma das mais velhas, com mais de dez anos, e eu tive a sorte de cobrir a Canidia com o inglês Kameran Khan, que também havia sido importado pelo meu pai. Um inglês da criação Aga Khan, e daí nasceu Elisabeth, boa ganhadora, égua de padrão clássico, que venceu no dia 28 de maio de 1960, no Hipódromo de Palermo, o Quilometro Internacional das Éguas. Terminada a campanha nas pistas, Elisabeth foi para o Haras, e coberta pelo garanhão alemão Takt, um filho de Gundomar em filha de Oleander, ganhador do Derby Austríaco e que eu havia importado, deu Moustache, que entre outras vitórias venceu um Grande Prêmio São Paulo.
O problema nos cascos de Amphis era importante, talvez por isso, tenha sido vendido para o Brasil, pois qualidade e classe não lhe faltavam. O plantel do Haras Vale da Boa Esperança era muito pequeno e Amphis só deu uma geração de quatro filhos, antes de morrer. Foi uma grande perda para a criação brasileira, um garanhão de tanto poder só ter podido reproduzir uma só geração. Os quatro filhos Hyperio, Robie, Talón e Colomba. Hyperio foi o melhor de todos, possivelmente, o melhor da criação que Cápua, tinha por mãe Zabaglione, por Nearco em filha do chefe da raça Hyperion. Robie foi um bom ganhador clássico, Talón um especialíssimo corredor de handicaps e Colomba não teve maior expressão. Hyperio, alazão nascido em 1956, foi um bom 3 anos, muito bom ganhador clássico. Muita classe, mas com um gênio difícil. Naquela geração o líder nacional era Farwell, invicto em suas 15 corridas no Brasil, e que era o grande favorito para ganhar o Grande Prêmio Derby Sul-Americano, que era ao mesmo tempo o Grande Prêmio São Paulo, exclusivo para os animais de 3 anos. Farwell era um potro preto, grande, forte, filho de Burpham, que era o garanhão chefe do Haras Jahú, um filho do chefe de raça Hyperion em Trouble, por Caerleon. Esse à época o melhor garanhão do National Stud, na Inglaterra. A mãe de Farwell era Marilú, que havia sido uma das líderes de sua geração em Cidade Jardim, de criação do especialíssimo José Paulino Nogueira, em seu Haras Bela Esperança, filha de Wood Note em Tower Bridge, por Golden Bridge.
A tarefa de Hyperio seria quase impossível, Farwell era e ainda é por muitos o melhor corredor nascido no Brasil em todos os tempos, e os seus dois segundos lugares obtidos em San Isidro, um para Escorial no Gran Premio 25 de Mayo e outro para Atlas no Pellegrini, foram decorrentes de fortes diarreias nas duas viagens, e nas duas oportunidades só havia corrido, contra a opinião do veterinário e do treinador, por ordem do proprietário Nelson de Almeida Prado.
Preparando-se para o Derby Sul-Americano, Hyperio fez um trabalho excepcional no Vale da Boa Esperança. E o seu jóquei, o estrategista chileno Luiz Diaz, entendeu que Hyperio poderia ganhar de Farwell. Como profundo conhecedor da velocidade, do ritmo das corridas, entendeu que haveria chance, se não fosse dado ao Farwell correr como de costume, tomando a ponta desde a largada, imprimir o ritmo que lhe fosse entendido como conveniente, e o resto ficava sempre por conta da superioridade, da classe do campeão. Diaz estudou a situação, e chegou à conclusão de que, se Farwell não pudesse ditar o ritmo, se ele fosse obrigado a fazer a primeira parte do percurso, provavelmente, teria que diminuir na parte final. Ele manteria Hyperio em segundo, assistindo o ritmo inadequado de Farwell na dianteira, e na reta as ótimas condições e a qualidade de Hyperio poderiam e, quem sabe, deveriam resultar na vitória de Hyperio sobre Farwell. Teoricamente, o plano parecia bom, mas como acelerar demais Farwell logo após a largada?
O que o grande público assistiu foi inusitado. Dada à largada, de imediato Diaz levou Hyperio para perto de Farwell, e desferiu-lhe fortes chicotadas. Farwell nunca havia sido alvo de chicotes, arrancou violentamente e disparou na ponta. Dos 2.400 até os 1.600 metros finais, isto é, após os primeiros 800 metros, Farwell seguia forte, muito forte e Luiz Diaz, que vinha em segundo percebeu que o seu Hyperio não ia aguentar a excessiva intensidade do ritmo e começou a recolher Hyperio, e na altura dos últimos 1.200 metros, Farwell seguia na ponta como uma locomotiva em disparada e Hyperio estava em último, aguardando o melhor momento na reta final. O que aconteceu no final foi o que todos esperavam, Farwell na ponta aumentando cada vez mais a diferença e Hyperio, com a categoria de Luiz Diaz, atropelando por fora e chegando em segundo. Daquela vez, toda a estratégia e o gênio de Luiz Diaz deram um brilho especial ao páreo, tudo deu certo, menos conseguir o que se mostrou impossível, vencer o campeão dos campeões.
Essa espetacular corrida foi no primeiro domingo de maio de 1960.
Hyperio, apesar de receber muito poucas éguas, foi dentre outros bons, o pai de Sabinus, um dos melhores de sua geração e ganhador do Derby Carioca, e que por sua vez, pai de Daião, vencedor do Grande Prêmio Brasil.