Em 27 de outubro de 1880, nasceu em Rio Claro, no estado de São Paulo, Linneo de Paula Machado, filho de Francisco Vilella de Paula Machado, médico conceituado, e Sebastiana Augusta Mello Franco de Paula Machado, neta do 1º Barão de Araraquara e 1º Visconde de Rio Claro.
Desde os sete anos Linneo assistia e gostava de corridas de cavalo. Foi quando estava com essa idade que seu pai adquiriu do coronel Bento Bicudo um cavalo francês de puro sangue, filho de Ruy Blas e Charlotte, chamado Carestiamble, para montaria e para servir as éguas de uma chácara de sua propriedade, em Rio Claro. Nessa época a fazenda São José, fundada por seu bisavô em 1839, ainda pertencia aos herdeiros de seu avô, o Visconde do Rio Claro.
Em 1894, Linneo foi para Paris e lá ficou até 1903. Aos 16 anos fez seus estudos no Lycée Janson de Sally e depois na École des Hautes Études Commerciales.
Na Cidade Luz, durante cerca de nove anos, não perdia uma só corrida, quer aos domingos quer às quintas-feiras, seguindo com o maior interesse e dedicação as corridas do turfe francês.
Ao voltar para o Brasil, pediu ao seu pai, o Dr. Francisco Vilella de Paula Machado, já então proprietário da Fazenda São José, para fundar um haras. Seu pai, também apaixonado pelo turfe, consentiu no seu pedido e, em 1906, deu-se o início ao Haras São José, em Rio Claro.
Linneo logo partiu para a Europa, onde adquiriu 11 éguas e os garanhões Flaneur II e Zimpanet, enquanto seu pai ficou na fazenda providenciando as instalações. Dentre as éguas que importou estavam Juracy, Amandine, Flotte Russe e France, esta filha de Xantrailles, potro que foi líder de sua geração na Europa junto com a potranca Plaisanterie, ambos da geração de 1882.
Juracy, que nasceu na Inglaterra em 1900, acabou por ter uma importância das mais significativas, pois sua linha feminina vem há um século gerando produtos de expressão para o Haras. Ela é da mesma linha tronco feminina de: West Australian (Tríplice Coroado inglês), Vândalo (GP Derby Paulista), Xaveco (reprodutor líder no Brasil), Bretagne (GP São Paulo, GP Henrique Possolo), Dimane (GP Diana, e Taça de Prata) mãe da clássica Vacilação, Gentlemen (Gran Premio Nacional, Polla de Potillos, na Argentina e Pimlico Handicap, nos Estados Unidos) e Danzig, importantíssimo chefe de raça americano.
O primeiro cavalo a nascer no Haras São José foi Aragon, importado no ventre de Flotte Russe, filha de Byfleet, meia irmã de Quintette, ganhador do Prix du Jockey Club, o derby francês. A bisavó de Aragon, Armanda, era avó de Haeume, ganhador de duas provas da “tríplice coroa francesa”.
Desde o primeiro produto, Linneo tinha a preocupação de procurar parentescos estritamente clássicos nas linhas maternas.
Ao se mudar para o Rio de Janeiro em 1909 e lá fixar residência, Linneo passou a colaborar estreitamente com o Jockey Club Fluminense. Em 28 de agosto de 1910, com a vitória de Bien Aimée no “Clássico Criadores”, o sucesso de sua criação se solidifica e ele e o pai e são honrados como turfistas estimados e reconhecidos. Aliás, essa mesma égua, de sua criação, rendeu-lhes muitas outras alegrias, pois foi vencedora de: GP Ipiranga, GP Progresso – Derby Club, GP Initium – Derby Club, GP Expositores e o Clássico. Henrique Possolo.
Em seguida, começaram a conquistar outros prêmios de expressão para um criador: You You ganha o GP Diana em 1914; Guatambu (vendido por Linneo) ganha o Derby em 1916; Hurra! ganha o Derby em 1917; J’Accuse ganha o Derby em 1918.
Em 24 de abril de 1911, Linneo casa com Celina Guinle, no Rio de Janeiro
A luta contra um grande mal chamado “Cara Inchada“
Em 24 de março de 1912, Linneo perdeu seu pai, o Dr. Francisco Vilella de Paula Machado. Nesse dia de extrema tristeza, outra perda foi também profundamente sentida: o mal da Cara Inchada levava o campeão Flaneur. Essa doença era ainda completamente desconhecida pelos criadores sul-americanos, e nenhuma providência podia ser tomada contra ela. Para Linneo, suas conseqüências mostravam-se fatais: em toda a geração da letra “B”, só escapou Bien Aimée. Na da letra “C”, nenhum escapou, e na da letra “D”, apenas Domination; na da letra “E”, só o pequeno Expedictus salvou-se.
Incansável na busca de uma solução para o mal que estigmatizava o Brasil e como homem de visão e empreendedor que era, Linneo logo reconheceu no jovem veterinário belga recém-chegado ao Brasil, o Dr. Octávio Dupont, o cientista que poderia ser encarregado de estudar a doença que assolava as criações de PSI pelo país.
Este grande veterinário investigou as causas da moléstia. O mal conhecido como Cara Inchada, era uma osteopatia quimio-distrófica ou osteodistrofia, e manifestava-se de várias maneiras. Segundo o Dr. Dupont, “os sintomas que se observavam eram: torção nas cadeiras (tours dês reins) em algumas éguas, sinais de raquitismo em potros, alguns irregularmente desenvolvidos, crescimento da ossatura da face, além de fraturas diversas”. Em seus estudos, ele descobriu que na Indo-China e em Madagascar a doença era comum, devido exclusivamente à relação cálcio-fósforo do solo. As terras foram devidamente analisadas e corrigidas com todos os elementos em déficit para correção e fertilização de que careciam, e as pastagens foram transformadas. O problema que se afigurava insolúvel e parecia destruir a criação nacional estava resolvido – a Cara Inchada desapareceu por completo da criação brasileira.
Em 1913, Linneo viajou para a Europa em companhia de sua família para comprar cavalos de corridas e reprodutores. As cores deste stud brasileiro começaram então a figurar brilhantemente nas pistas francesas com as consecutivas vitórias de Maboul, adquirido por ele em Paris.
Sempre entusiasmado com a criação, Linneo continuou a sua meticulosa escolha na importação de reprodutores. Assim, Tarporley (GB), por St Simon e Ruth, vencedor do Prince of Wales Stakes e do Windsor Castle Stakes, foi comprado quando já era garanhão. Veio da França e desembarcou no Rio de Janeiro em novembro de 1913. Junto com ele estavam Novelty, com cinco anos, por Kingston e Curiosity, e Thève, 2 anos, por Tagliamento e Thematta.
Novelty, por Kingston e Curiosity, nasceu nos Estados Unidos, onde, aos dois anos, foi o melhor produto de sua geração. Venceu o Futurity Stakes, o Hopeful Stakes, e outros ainda nos EUA. Importado para a França, venceu o Handicap de La Tamise, o Prix de l’Escaut, o Prix du Danube Sendo um ótimo corredor aos dois anos – fator que, em todo o mundo, só viria a se apresentar como algo importante, muito tempo depois –, encantou Linneo, que o trouxe para o Brasil. Tornou-se um excelente reprodutor. Mais uma vez, Linneo antecipava-se aos demais criadores na avaliação de um puro-sangue inglês. Este filho de Kingston, cuja linha paterna é a mesma de Man O’War, deixou cerca de uma centena de filhos, todos ganhadores, destacando-se por seus brilhantes feitos nas pistas os famosos Nemo, Santarém e Kitchner, pai de Mossoró.
Santarém (foto acima) firmou-se também como um reprodutor de valor com o tríplice coroado Funny Boy, o extraordinário Ever Ready, com o sprinter Holkar, Jahú e Luar, ambos vencedores clássicos de Grupo 1, e a brilhante Batuira, que foi líder de sua geração.
Seguiram-se ainda outras aquisições de sucesso:
Sin Rumbo (ARG), por Val d’Or e Meltona, era irmão inteiro de Ocurrencia, uma craque argentina que em 1915 venceu os GPs Polla de Potrancas (1,000 Guineas), Seleccion (Oaks), Jockey Club (Derby) e Carlos Pellegrini. Por sua vez, Sin Rumbo foi ganhador dos 2 aos 5 anos anos, sendo considerado um dos melhores flyers de sua época, em Palermo. Dentre seus filhos, destacam-se Questor; Sem Medo, Vendôme, Xenon, Xyleno e Young.
Bosphore (FR), por Colorado e Fiancée d’Abydos, venceu, na França, as importantes provas clássicas Prix d’Iena, e Prix Noailles Colocou-se em 6º no Prix du Jockey Club, o Derby Francês (2.400m, 17 competidores), onde era o favorito; em 3º no Prix Jacques le Marois (1.600m); em 2º no Grand International d’Ostend (2.200m); em 2º no Prix Royal Oak (3.000m), chegando na frente de Strip the Willow. Sua campanha no Brasil foi breve. Assim mesmo, obteve três vitórias. Dentre os seus filhos de maior sucesso estão Amilcar a muito boa égua Hainan, e o tríplice coroado El Faro.
Outra antecipação marcante de Linneo foi a compra de Formastérus (FR), por Astérus e Formose, pedigree que fazia parte do esquema genealógico típico da criação Edmond Blanc, herdada por Marcel Boussac e que, baseado nele, haveria de deter a hegemonia da criação francesa nas décadas de 1930 a 1950. Na França, aos dois anos, Formastérus correu apenas três vezes, com os seguintes resultados: 1º no Prix Faucher (1.300m) e 2º no Prix de Sablonville (1.000mDepois obteve os seguintes resultados: 1º no Prix Merlin (1.500m); 1º no Prix de L’Esplanade (1.700m); 1º no Prix de Rollepot (1.500m); 1º no Prix Edgar-Gilois (2.600m); 2º no Prix de Chantilly (3.000m); 2º no Gran Prix de Deauville (2.600m); 3º no Prix Eugene Adam (2.000m); ,1º no GP Jockey Club do Rio de Janeiro (2.400m); 1º no GP América do Sul (2.800m); 1º no GP Cidade de São Paulo (2.000m); 1º no GP São Paulo (3.200m); 1º na Taça Mappin & Webb (2.400m); 1º no GP Presidente do Jockey Club (1.609m) e 1º no GP Governador do Estado.
O que se verifica, novamente, é a visão de Linneo, uma vez que Formastérus foi um excepcional reprodutor com um grande número de filhos ganhadores clássicos, dos quais citamos especialmente: Carducci , Fontaine, Finesse, Goyo, Guaycurú, Helíaco, Heron, Jabuti, Maki, Quebec ,Quadrilha e Rocket. Formastérus também se tornou um excepcional avo materno
Trinidad (GB), por Phalaris e Love Oil, milheiro brilhante, comprado por Linneo, foi um dos primeiros descendentes de Phalaris importados para a América do Sul, antecedentemente ao ramo Full Sail – Seductor – Sideral, que teve enorme importância na criação argentina. Trinidad era pai de Albatroz e avô materno de Helíaco, bi-campeões do GP Brasil. Assim é que, no Brasil, Albatroz foi gerado contemporaneamente aos grandes netos europeus de Phalaris, os campeões invictos Nearco e Pharis, luminares do turfe mundial. Observa-se, quando esses fatos são narrados, que Linneo, mais uma vez, antecipou os rumos da criação mundial. Trinidad correu na Inglaterra e aos dois anos foi 2º colocado no Ham Stakes (1.200m); 2º no Hurst Park Great 2 Year Old Stakes (1.200m); 5º no National Breeder’s Produce Stakes (1.000m). Aos três anos foi 1º no Atlantic Cup (2.011m) e 2º no St. James Palace Stakes.
Dentre seus filhos mais proeminentes, além dos já citados, estão: Biga; o tríplice coroado Criolan; Carin; L’Atlantide; Tinguá e Veneziano.
Uma das feições mais características da obra de criação da família Paula Machado foi a de não se achar auto-suficiente e levar em conta o que acontecia à sua volta no mercado interno, procurando capitalizá-lo para o seu plantel. Assim, comprou a argentina Gallia, mãe de Aprompto, craque de outra criação e primeiro cavalo brasileiro a derrotar estrangeiros em provas de vulto. Gallia deu à criação de Linneo os clássicos Thompson e Vendôme. Desta descende o hoje extremamente florescente ramo de Reselá, cujas quatro filhas (Ebrea, Foix, Glad Girl e Hariola) tornaram-se mães clássicas, sendo Ebrea a mãe de Siphon, vencedor nos Estados Unidos da Hollywood Gold Cup e do Santa Anita Handicap, duas provas de Grupo I realizadas na areia em 2.000m, reduto até então considerado inexpugnável pelos americanos.
A dedicação de Linneo ao cavalo de corrida não se limitou apenas ao desenvolvimento de seu haras. Ele foi incessante na busca de tudo aquilo que trouxesse progresso e sucesso ao turfe nacional. Assim, em 6 de janeiro de 1918, após muita insistência e argumentação de sua parte, Venceslau Brás, então Presidente da República, sancionou a lei que auxilia os criadores, regula a atividade e estabelece a responsabilidade da Comissão Central dos Criadores de Cavalo Puro Sangue e determina um Stud Book Nacional.
Linneo desfrutava de enorme prestígio e recebeu diversos títulos junto ao governo francês. Nesse ano de 1919 a França o condecorou Cavaleiro; Oficial em 1923; Comendador em 1926, e Grande Oficial da Legião de Honra em 1935.
Com a inteligência e o tato de um fino diplomata, Linneo conseguiu firmar pactos de solidariedade entre a Societé d’Encorragement, na França, o Jockey Club Inglês e o nosso Jockey Club, tornando-se assim o embaixador do turfe brasileiro nos grandes centros hípicos mundiais. Tornou o país conhecido na Europa e conseguiu, também, acordo de solidariedade com Jockey Club Argentino, no Uruguay, e no Chile com o Club Hípico de Santiago e Valparaiso Sport Club.
Arrojado e de muita visão, Linneo sonhava em dotar o Rio de Janeiro de um hipódromo mais moderno, e para isso idealizou a construção de um hipódromo, o Hipódromo Brasileiro, também conhecido como Hipódromo da Gávea. Muitas pessoas influentes ligadas ao antigo Jockey Club não concordavam com a idéia. Pretendiam reformar o Prado Fluminense, mas a determinação de Linneo foi fundamental para que se procurasse um terreno na zona sul do Rio de Janeiro. Em julho de 1922, foi assinado pelo Dr. José Carlos Figueiredo o contrato de permuta dos terrenos da Lagoa Rodrigo de Freitas, propriedade da Prefeitura, por parte dos terrenos de S. Francisco Xavier, do antigo Jockey Club.
O Jockey Club Fluminense, fundado em 1868, realizou a última corrida em junho de 1926, quase um mês antes da inauguração do Hipódromo da Gávea. Curiosamente, Rival, criação e propriedade do Haras São José, ganhou o páreo de abertura da reunião de despedida do Prado Fluminense e também o páreo de abertura da reunião de inauguração do novo hipódromo. Quanto ao Derby Club, inaugurado em 1885 na área onde hoje se localiza o estádio do Maracanã, fez fusão com o Jockey Club em 1932, e daí resultou a nova entidade: o Jockey Club Brasileiro.
Nesse hipódromo, Linneo viveu muitas alegrias ao acompanhar a imensa torcida que popularizou Quati como “O Gigante Dourado” e as fabulosas vitórias de Zaga, Sapho e Tacy, uma égua de “muito coração”, como ele mesmo dizia, mas nunca chegou a assistir a vitória de um cavalo de sua coudelaria no Grande Prêmio Brasil. Isso porque, em 1939, quando o francês Six Avril ganhou o Grande Prêmio Brasil, ele não levava as suas cores, mas o azul costuras ouro (a inversão da farda do Haras São José & Expedictus) de propriedade de seu filho Francisco Eduardo.
Em agosto de 1942, porém, Linneo via-se diante de mais uma chance para conquistar este que é o maior prêmio do Brasil. No entanto, Albatroz, o cavalo que correria o páreo, pisou acidentalmente numa pedra e Linneo achou por bem poupá-lo da prova. Mais uma vez, o sonho de ver suas cores ganharem um GP Brasil estava adiado.
No dia 27 de setembro de 1942, a égua Dorilla, de criação e propriedade dos Haras São José & Expedictus, venceu o Grande Prêmio que homenageava seu querido pai, Francisco Vilella de Paula Machado. Como sempre fazia, Linneo subiu à sala de imprensa para compartilhar sua emoção com os profissionais do jornalismo. Ali pronunciou um profético discurso em que dizia: “Se eu morresse amanhã, minha obra não pereceria porque deixo meu filho como continuador.” Referia-se a Francisco Eduardo que, desde cedo, o acompanhara e participara de suas atividades turfísticas. Justamente no dia seguinte a esse pronunciamento Linneo sofreu um acidente fatal quando o avião que o levava do Rio para São Paulo caiu, matando todos os passageiros.
Linneo de Paula Machado não desfrutou de prestígio e admiração apenas em seu país natal. No estrangeiro, ele também acumulou homenagens que corroboraram a grandeza de toda uma vida ligada ao cavalo de corrida:
Grande Oficial da Legião de Honra
Oficial da Coroa da Itália
Oficial da Coroa da Bélgica
Comendador da Ordem de Cristo (Portugal)
Membro de Honra da Sociéte d’Encouragement pour l’Amelioration de la Race Chevaline en France
Membro Efetivo da Academia de Agricultura da França
1º Sulamericano Membro do Jockey Club da França
Texto e Imagens: Arquivo JCB e site http://www.harassaojose.com/