Eu estava em São Paulo e àquela época os bancos funcionavam aos sábados, pelo menos de manhã. Eu era cliente do Banco de São Paulo, dos irmãos João Adhemar e Nelson de Almeida Prado, e lá por volta das dez horas fui sacar dinheiro para pagamentos no haras. Lá encontrei o veterinário Fernando Pereira Lima, o homem de cavalos de total confiança do Dr. Adhemar e que, também, tinha ido buscar dinheiro para pagamentos no Haras Rio das Pedras. Enquanto aguardávamos para ser atendidos, o Fernando me mostrou o alto cheque assinado pelo Dr. Adhemar, o que se passara a ser usual depois da separação dos Haras Jahú e Rio das Pedras, ocasionada pela morte do irmão Nelson, que até então era o encarregado dos dinheiros da criação e das corridas.
O Fernando percebeu a minha surpresa quando vi o cheque, que era de J. Adhemar de Almeida Prado e/ou Vicentina de Almeida Prado. É que os dois irmãos eram casados com Esther e Guanahyra, respectivamente, ambos não tinha filhos nem irmãs, e a tal Vicentina seria uma parente desconhecida. O Fernando riu, é que a Dona Esther, que por sinal foi uma ótima companheira do Dr. Adhemar, detestava o seu verdadeiro nome de batismo, Vicentina, e só se apresentava pelo apelido de Esther.
Por falar na morte de Nelson, que era ainda mais amigo e sócio do Dr. Adhemar do que irmão, com a sua morte em um desastre de avião, a viúva fez questão de separar o Haras Jahú do Rio das Pedras. Inicialmente só havia o Jahú, que era perto da capital São Paulo, mas lá não havia lazer, era uma propriedade simples, só com os cavalos e poucas casas para os empregados, sendo que uma das casas servia de escritório. O próprio gerente do Haras, por sinal muito competente, morava na cidade perto.
Nelson ia ao Jahú periodicamente, o Dr. Adhemar não ia nunca. Um dia o Dr. Adhemar comprou uma boa área em Paulínia, junto a Campinas, e montou um espetacular Haras, com todo o conforto e até uma pista para aviões menores. Na divisão dos animais já que a D. Guanahyra insistia em dividir, houve uma reunião para isso, de um lado a D. Guanahyra com o gerente do Jahú, e o Fernando em nome do Dr. Adhemar, que sentiu muito a morte do irmão e, muito sensibilizado, cedeu em tudo o que a ex-cunhada pretendia. A grosso modo, o potencial equino que ficou com o Jahú era mais forte que o do Rio das Pedras. Mas um ano depois, viu-se que os Deuses do Turfe haviam decidido diferente, o Rio das Pedras, com a nova farda rosa, cruz de Santo André e boné verdes, escolhida pela D. Esther, seguiu ganhando em alto nível, enquanto o Jahú, que ficara com a tradicional cinza e verde em listas horizontais, foi piorando cada vez mais. A generosidade do Dr. Adhemar venceu sem esforço a mania de querer levar vantagens.
O ponto alto da criação foi atingido pelo extraordinário Farwell, que só perdeu duas vezes, ambas na Argentina, e nas duas ocasiões viajou mal, teve diarreia, mas obteve dois ótimos segundos, um no 25 de Mayo, para o nacional tríplice coroado Escorial e outro no Pellegrini para Atlas, que venceu dopado, assim como havia acontecido no G.P. São Paulo. Esses dois casos de doping são do conhecimento de todos os turfistas da época, e para não criar um escândalo público para o turfe, os dois casos foram abafados. Alias, já houve publicações a respeito.
Nos muitos anos em que acompanhei de perto os Haras Jahú e Rio das Pedras, presenciei muitos fatos curiosos. Um deles foi quando da divisão de animais dos dois Haras. Eles tinham um filho do Coaraze muito bom ganhador clássico que iria ingressar na reprodução, de nome Rhone. Era, por assim dizer, a estrela do momento, e ele seria naturalmente, o primeiro a ser escolhido. No sorteio para ver quem teria o privilégio da primeira escolha, o Dr. Adhemar ganhou, mas cedeu a vez a ex-cunhada ante os apelos de que aquele cavalo era uma das paixões do Nelson. Como sempre, o Dr. Adhemar cedeu à vez. Com a escolha de Rhone para o Jahú, o Rio das Pedras ficou, então, com o outro reprodutor, o chileno Figuron. Resultado, Rhone foi um fracasso e Figuron um sucesso.
Muita gente ainda associa o nome de Assumpção aos dos irmãos Almeida Prado. Antes dos Haras, os irmãos turfistas João Adhemar e Nelson tinham um stud intitulado Almeida Prado e Assumpção, mas Assumpção nada tinha a ver com a propriedade dos animais, era uma homenagem a um ex-cunhado de nome Luiz Nazareno de Assumpção, homem à época de muito prestígio na área turfística e um dos grandes nomes da época heroica do Jockey Club de São Paulo.
Um dia, nas corridas, o Sr. Nelson chegou contrariado à mesa do Dr. Adhemar. Eu estava na mesa do lado e ouvi a conversa. Nelson reclamava que o Jockey Club de São Paulo havia publicado a instituição do Grande Prêmio Derby Sul-Americano, naturalmente no primeiro domingo de maio e, exclusivo, para os potros e potrancas de três anos, mas logo após o nome do novo Grande Prêmio havia entre parênteses, o nome do G.P. São Paulo. Assim, com o páreo só para os três anos, os animais de quatro anos e mais idade não poderiam participar, e com isso o Adil, que já era tricampeão da prova, não poderia conseguir o tetra, o que era muito provável pela superioridade da Adil à época.
O Dr. Adhemar, como sempre paciente e generoso, respondeu que aquela tinha sido uma decisão da Comissão de Corridas, ideia do saudoso Thomaz (“seu” Thomazinho) Teixeira de Assumpção Júnior e, que, contava com o apoio integral da Diretoria, e ele tinha que colocar o interesse geral acima do deles. O Sr. Nelson foi embora quieto, mas zangado, e o Dr. Adhemar continuou assistindo as corridas com os amigos.
Quando a Associação Brasileira foi levada do Rio de Janeiro para São Paulo, o Dr. Adhemar, que era o “cacique” turfístico da época, apoiou, integralmente, o trabalho do grande criador Hernani Azevedo Silva, naquele sentido, indicando-o para Presidente, Alberto Machioni para Tesoureiro e eu para Secretário. Quando da posterior implantação da hoje e já de algum tempo, extinta Sociedade de Criadores e Proprietários de Cavalos de Corrida de São Paulo, o Dr. Adhemar ficou como Presidente do Conselho, e indicou os mesmos três da Associação Brasileira para a nova Sociedade que então surgia. Esta mudou para muito melhor os destinos do turfe brasileiro, tendo como um dos detalhes, feito renascer os leilões, que durante muito tempo não foram realizados, em função de regulamentos inadequados e de falta de competência. Embora possa não parecer, a Sociedade faz muita falta, pois entrou no mercado de rações e remédios como elemento regulador e referencial de preços.
Um dos diretores da Sociedade que mais se dedicaram no setor do ressurgimento dos leilões, quando voltaram os eventos, pediu demissão da Diretoria e foi implantar uma agência. Ela se chama APPS (Agência Paulista do Puro Sangue). O fundador é Carlos Eduardo Vaz Guimarães.
A importância dessa Agência cresceu ainda mais, hoje ela é fundamental no setor, com a absurda extinção da Sociedade de Criadores e Proprietários de Cavalos de Corridas de São Paulo.