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Nacionais e internacionais, por Milton Lodi

Os panoramas das criações e das corridas no eixo Brasil-Uruguai – Argentina são os mesmos já de algum tempo. São turfes distintos e diferentes.

O Brasil segue em uma liderança tranquila, em função de normas internacionais, digam-se europeias, abastecendo os seus haras com sangues da maior importância mundial. O sistema de “shuttle”, isto é, o aluguel ou arrendamento de um garanhão de ponta, tem permitido o enriquecimento técnico dos plantéis. Corredores campeões nas pistas europeias como os alemães Shirocco e Manduro, irlandeses como Sulamani, clássicos nas pistas como Roderic O’Connor, um irlandês filho do atualmente, e já de algum tempo, melhor garanhão do mundo o irlandês Galileo, o norte-americano Roy, garanhões de real valor como Elusive Quality, o pretensioso Drosselmeyer, Linngari da criação Aga Khan de várias vitórias importantes em hipódromos europeus; o norte-americano Put-it-Back, o irlandês Holy Roman Emperor, o norte-americano Point Given, o futuroso importado em definitivo Adriano, o já vitorioso japonês Agnes Gold, entre muitos exemplos, que foram lembrados entre outros merecedores de destaque e que, pretendem fazer parte do seleto grupo de Wild Event, de Crimson Tide, de Public Purse, de Signal Tap e de outros bons.

Nunca é demais lembrar que o “shuttle” se iniciou no Brasil há mais de 60 anos, quando Roberto e Nelson Grimaldi Seabra, do Haras Guanabara (SP), trouxeram pioneiramente para ao Brasil o italiano Orsenigo, Derby Winner em seu país e filhos do extraordinário garanhão alemão Oleander, e que em dois anos no Brasil deixou Escorial, Lohengrin, Emoción e muitos outros de extraordinário valor. Essa entrada anual de garanhões de alto valor internacional representava não só um “refresco” nos sangues dos plantéis brasileiros como em muito colabora para a atual incontestável liderança sul-americana da criação brasileira. Nos quatro primeiros meses de cada ano, os criadores brasileiros mais lúcidos estudam pedigrees e campanhas, principalmente, de cavalos europeus para, contratar através do brasileiro, melhor agente internacional, o paulista Samir Abujamra. Com confiáveis contatos com os melhores centros turfísticos europeus, só como exemplo, com a Coolmore e a Darley, e contratam “shuttles”. É um caminho fácil e inteligente.

O Uruguai não atravessa um bom momento em sua criação. Só para se ter uma ideia do potencial, enquanto o Brasil, com os seus imensos territórios e população, produz menos de 3.000 potros por ano, cerca de 2.900, o Uruguai, com um território pequeno e uma população da ordem de 3 milhões de habitantes, cria 2.000 potros/ano. Embora a terra seja boa e haja muitos turfistas, a qualidade do plantel deixa muito a desejar. E isso porque há uma evidente má orientação. Com exceção do Brasil, que segue ou procura seguir as linhas europeias, e não desprezando os eventuais bons cavalos norte-americanos, todas as Américas, do Norte, Central e do Sul, refletem em suas corridas e em suas criações, o desastrado turfe norte-americano. Por isso, assim com o turfe norte-americano, o argentino e o uruguaio estão mal, em evidente decadência. Cavalos e éguas supermedicados para correr transformam uma pretensa saudável competição de qualidades em guerra química, com animais dependentes de drogas, que na criação vão transmitindo as suas debilidades.

Os Estados Unidos são um país riquíssimo, e tem dinheiro para manter um comércio turfístico interno, se não ótimo, pelo menos razoável. Mas esse não é o caso da Argentina e do Uruguai, que entendem de importar preferencialmente sangues dos quase sempre doentes. A criação uruguaia se alimenta basicamente de animais argentinos, que refletem a má orientação do turfe norte-americano. Felizmente, no Brasil, só muito poucos desavisados se utilizam de reprodutores baratos norte-americanos, da verdadeira sucata, do bagaço que vem de lá. Houve um bom momento de reflexão das autoridades hípicas uruguaias, isso em meados de 2012, quando promoveram uma reunião em Montevidéu com a cúpula da Associação Brasileira, no intuito de melhor direcionar a criação uruguaia. Ficou acertada a exportação de trinta éguas brasileiras, cheias, com o aval e o financiamento pelo Ministério da Agricultura do Uruguai, em uma nova linha de início de uma caminhada para a recuperação do turfe uruguaio.

No primeiro trimestre de 2013, a Associação Brasileira, naturalmente apoiada por lúcidos uruguaios, escolheria as éguas em uma programação que, certamente, seria o princípio da redenção do turfe uruguaio, um início promissor para a recuperação. Mas as autoridades uruguaias solicitaram que a ideia permaneça, mas a prática fique para 2014, já que um ou mais importantes haras uruguaios pretendiam leiloar boa quantidade de reprodutoras na mesma época prevista para o leilão das trinta éguas. A desculpa ou explicação, na verdade, não chegou a justificar, pois o interesse maior, a melhoria do padrão da criação uruguaia não prejudicaria os preços das uruguaias, seriam apenas trinta.

Há dois aspectos a se considerar nessa mudança de atitude. Um seria de ordem veterinária, o que na prática seria absurdo, pois veterinários brasileiros e/ou da confiança do Ministério da Agricultura do Uruguai, e da Associação Brasileira naturalmente submeteriam as trinta éguas a todos os exames necessários, normalizando por completo esse aspecto veterinário. A outra hipótese seria um ridículo interesse da não entrada de éguas brasileiras, que naturalmente abririam caminho para a substituição pelo menos em parte da eguada menos interessante da Argentina e do próprio Uruguai. Nesse caso seria até um crime contra a necessidade de melhoria do turfe uruguaio. O que importa é que, com essa porta fechada, pelas altas autoridades uruguaias, só resta aos interessados irem aos leilões dos dias 20, 21, e 22 de março de 2013 em Bagé (RS), quando serão ofertadas cerca de 250 éguas dos principais haras brasileiros, dentre eles Anderson, Mondesir, Santa Maria de Araras, Santa Ana do Rio Grande, e muitos outros haras de boa qualidade. Como é grande a falta que faz Don Aureliano Rodrigues ao turfe uruguaio.

Na Argentina o problema é bem maior, pois tem proporções muito maiores. Produzindo quase o triplo de potros que o Brasil, a Argentina claramente perdeu a liderança sul-americana, em função da excessiva permissibilidade de medicações em animais para correr, de uma programação de corridas com uma distância média da ordem de 1.200 metros, e uma programação voltada para uma pretendida exportação. O plantel argentino está infestado de sangues norte-americanos de velocidade e descendentes de animais dependentes de drogas. O próprio governo argentino ainda piora a situação, criando impostos que prejudicam o necessário entra e sai de cavalos e éguas. Assim fica o turfe argentino atolado em indesejada situação.

Há alguns anos foi instituído um forte grupo de criadores argentinos que formou um lote de reprodutores altamente pretensiosos para venda de coberturas. Alguns haras brasileiros chegaram a mandar numerosos lotes de éguas para usufruir da grande perspectiva. Mas tudo se desvaneceu, as éguas brasileiras voltaram, o sonho acabou, ante o fracasso dos tais garanhões norte-americanos importados, quando foi verificado que pelo menos parte daqueles garanhões só tinha ido para a Argentina após haverem fracassado em “shuttle” anterior para a Austrália.

A situação do Uruguai é melhor que a da Argentina, basta não importar mais da Argentina e dos Estados Unidos, voltando-se para o Brasil e a Europa. Na Argentina o problema é muito mais complicado, mais grave, maior, pior. Haveria de ser mudada uma filosofia, deixar as medicações de lado, orientar as suas criações e corridas para as distâncias clássicas e não só de velocidade. Hoje o turfe argentino não tem competidor em provas de até 1.600 metros, mas na área clássica, mais importante, de 2.000 metros ou mais, quando são disputados os derbies e as principais provas dos calendários clássicos, o Brasil reina. O que tem acontecido nos últimos tempos, com as sistemáticas derrotas para os cavalos brasileiros, é apenas o princípio. Essa situação tende ainda a se manter por muito tempo.

Para o turfe brasileiro, é muito bom que as coisas continuem como estão. O Uruguai se furtando à necessidade de melhorar, a Argentina com distância média de 1.200 metros. A título de curiosidade, vou citar dois casos ocorridos recentemente, em 2012 e em 2013. O jóquei brasileiro Altair Domingos, que está radicado em Buenos Aires com grande sucesso, e que é considerado o legítimo sucessor de Jorge Ricardo e de Pablo Falero, concedeu entrevista televisionada quando de uma de suas vindas ao Brasil para montar em grande premio. Contou que, perguntado por um treinador argentino se era verdade que no Brasil havia uma programação comum do Rio e de São Paulo, páreos até para perdedores de 3 e de 4 anos em 2.000 e 2.400 metros, o argentino surpreendeu-se com a afirmativa do jóquei brasileiro, pois isso é na prática absurdo, impossível na Argentina. Para distância média de 1.200 metros as distancias da grande maioria dos páreos tem que girar de 1.000 a 1.400 metros. Os argentinos estão fora da realidade. O outro caso a ser citado foi quando do Ramirez, em 6 de janeiro de 2013. Um criador e proprietário brasileiro, com animais também na Argentina, inscreveu uns corredores para participarem da jornada do Ramirez, em Montevidéu. Não sei se por culpa da alfândega argentina ou uruguaia, os cavalos ficaram retidos na fronteira Argentina-Uruguai por 18 horas. Naturalmente os corredores fracassaram, e o proprietário declarou que nunca mais vai mandar animais dele correr no Uruguai.

Chega, ou querem mais?

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