O Dr. Peixoto (Antônio Joaquim Peixoto de Castro Júnior, o fundador do Mondesir), era um advogado brilhante, mas em função de uma repentina surdez total definitiva com a que teve se conviver por toda a sua existência, abandonou a sua profissão e meteu-se no mundo dos negócios. A sua especialíssima inteligência, o seu alto poder de concentração, o seu boníssimo tino comercial, a sua enorme capacidade de trabalho e a sua permanente dedicação a tudo que fazia fizeram dele um empresário de estrondoso sucesso.
Casado por toda a vida com D. Zélia, que era uma das filhas do empresário Gonzaga, então concessionário da Loteria Federal, com a morte do sogro comprou os interesses de todos os herdeiros, melhorando e investindo no que recebeu, montando uma forte fonte de receita. Com a prosperidade de todos os seus negócios, criou um verdadeiro império.
Iniciou-se no turfe como simples proprietário, e como criador conquistando logo nos primeiro anos uma tríplice-coroa carioca com o seu Talvez!, a primeira das várias tríplices-coroas carioca levantadas pelo Mondesir. A sua paixão pelos cavalos viera de antes do primeiro G.P. Brasil, vencido em 1933 pelo legendário Mossoró, no qual participou com a compra feita do então campeão uruguaio Bambú. O Dr. Peixoto e o seu Mondesir representavam um dos marcos mais importantes do turfe brasileiro. Como sempre criou com grande número de reprodutoras, nas dezenas de anos importou inúmeros garanhões para atender a demanda. Sempre importados das melhores procedências, muitos reprodutores do Mondesir apresentavam ótimos resultados.
Para citar o mínimo deles, bastaria lembrar Royal Dancer, na primeira fase gloriosa da criação, e Waldmeister, provavelmente o último antes da morte do inesquecível turfista e, ainda, os três que mais aumentaram o brilho da criação Mondesir. O primeiro desses três foi King Salmon, entendido por muitos como a maior de todas as importações da criação brasileira em todos os tempos.
O Dr. Peixoto não era apenas um grande criador que comprava ótimos garanhões mas de preços compatíveis com a realidade do turfe brasileiro. Ele ia além, ele queria o melhor dos melhores em panorama mundial e pagava os altos preços não objetivando simplesmente grandes páreos ou estatísticas, ele queria um super padrão internacional. Por volta de 1948, após polpudas proposta dos ingleses no sentido do retorno do King Salmon para a Inglaterra, o grande nome, ou um deles, nas pistas inglesas era a égua Herringbone, uma filha do King Salmon. Em 1949, no Derby de Epsom o potro Swallow Tail, mesmo sofrendo prejuízos na reta final, foi um ótimo 3º. Ele era um filho de Bois Roussel, em evidência no turfe civilizado, e irmão materno da fantástica Herringbone.
O Dr. Peixoto comprou Swallow Tail para especificamente vir para as filhas de King Salmon. O resultado todos sabem. Assim como King Salmon, que se iniciou no Brasil dando logo na primeira geração, da qual somente dois machos, Manguari, ganhador do Derby Carioca, líder de turma, recordista por duas vezes, dos 2.000 metros na grama, sempre correndo na primeira turma e obtendo cerca de quinze vitórias. Também Swallow Tail foi um espetacular garanhão, produzindo um tríplice-coroado e mais um ganhador de Derby em filha de King Salmon. Após essa cruza King Salmon x Swallow Tail, o Dr. Peixoto seguiu investindo, procurando trazer o que havia de melhor no mundo, e trouxe Sayani, que era o garanhão líder da estatística de garanhões na França. Com Sayani, em éguas de consanguinidade ou não, com os sangues dos outros dois reprodutores maravilhosos, formou-se uma base esplendida, sempre tendo a linha materna do que havia de melhor na Europa, através de éguas que eram trazidas todos os anos das melhores procedências e com os melhores resultados.
Sayani foi um garanhão muito especial, produziu machos e fêmeas da melhor qualidade. E isso foi em época onde brilhavam nomes como Escorial, Lohengrin, Narvik e outros de muita presença. Um dos bons filhos de Sayani, o clássico Xaveco, foi ser o garanhão chefe do ótimo Haras Patente, enquanto Xadrez, um filho de Maldita, por King Salmon, um cavalo difícil de ser batido de 1.600 a 2.000 (nessa distância venceu o Grande Criterium, que definia o melhor potro de três anos). Esse Xadrez foi muitas vezes sacrificado para fazer corrida para o irmão paterno Xaveco, e ainda mandado pelo Dr. Peixoto para correr apenas para apresentar a farda do Mondesir, por solicitação, por exemplo, dos então dirigentes do Jockey Club do Rio Grande do Sul, o Bento Gonçalves, em 3.000 metros na areia, ele que apresentava o máximo de seu potencial em 1.600 e 2.000 metros na grama. Já com seis anos de idade, grande ganhador clássico, Xadrez foi para o Haras Mondesir, então em Lorena, para aguardar interessados.
Pouco depois dele lá chegar, veio uma semana de um G.P. Brasil, e um grupo do Uruguai quis comprar o Xadrez. Naquela mesma semana, devidamente autorizados, os uruguaios foram ao Mondesir ver o cavalo e submetê-lo a exame de fertilidade. Voltaram ao Rio e disseram ao Dr. Peixoto que o cavalo era muito bonito, um tipo físico bem mesclado de Sayani e King Salmon, mas que o resultado do exame de fertilidade era ruim, fertilidade muito baixa. O Dr. Peixoto se surpreendeu, não gostou, ele não tinha conhecimento daquele aspecto negativo, declarou que Xadrez estava à venda pela primeira oferta que surgisse.
Um criador paulista, do Haras Anhanguera (Valinhos, SP), conhecido como assíduo turfista, mas muito avarento, apresentou-se com uma proposta ridícula. O Dr. Peixoto mantinha a sua palavra, desde que o interessado declarasse por escrito que era conhecedor daquela deficiência. Xadrez foi para o Anhanguera, onde durante dez anos deu poucos produtos, e sem ter dado sequer um que fosse considerado razoável.
No inicio de uma temporada de coberturas, morreu um dos meus principais reprodutores, eu resolvi de pronto substituí-lo. Escolhi o Xadrez, completamente desprestigiado, mas no meu entender sem um adequado plantel de éguas. Xadrez já tinha dezesseis anos, mas era ele que eu queria. Fui falar com o bom veterinário Fernando Pereira Lima, homem de cavalos dos Haras Jahú e Rio das Pedras, que eu havia conhecido em Buenos Aires, quando do Gran Premio 25 de Mayo de 1960. Perguntei a ele se ele me acompanharia ao Haras Anhanguera, em Valinhos (próximo na Campinas), pois eu queria ver o Xadrez, e conforme fosse eu tentaria comprá-lo. Ele concordou, ele também gostava muito do Xadrez, apesar dos dez anos de insucesso na reprodução. Entramos no carro dele e fomos, achando que encontraríamos o garanhão em estado físico apenas regular. Estávamos enganados, Xadrez estava lindo, gordo, esperto, ótimo, e de pronto voltamos para São Paulo.
Nas corridas do fim de semana em Cidade Jardim, procurei o criador do Haras Anhanguera, que sempre ia às corridas. Ele me disse que já sabia da minha ida ao Haras dele, entendia que o cavalo não correspondera, mas que era um cavalo grande ganhador clássico, e só pelo fato da idade do cavalo aceitaria um negócio, desde que eu tivesse um substituto. Ele manifestou desejo de ficar com um cavalo meu de quatro anos, já com duas ou três vitórias em poucas apresentações, e que era filho de Takt e Lourinha, por Eboo e Garbosa Bruleur. Concordei com a cessão do King Kong, um cavalo bonito, bem feito, sem problemas, são e saudável, que em minha opinião não teria um futuro clássico. O negócio acabou sendo feito, o Xadrez contra o King Kong e mais uma quantia em dinheiro.
Não me lembro de filhos de King Kong, é possível até que não os tenha tido, pois o Anhanguera não teve mais anos de vida. Quanto ao Xadrez, só recebia cinco éguas por ano, era difícil de emprenhar, mas me deu filhos muito bons como: Tutsi Bonbon, que venceu o Criterium de Potrancas. Como avô materno não poderia ser melhor, pois houve uma época em que eu tinha dois ganhadores de Grupo I: Gourmet (G.P. Brasil) e Goethe (G.P. Consagração), ambos tendo Xadrez como avô materno.