Recordações inesquecíveis (9), por Milton Lodi » Jockey Club Brasileiro - Turfe

Recordações inesquecíveis (9), por Milton Lodi

Aquele que foi o mais técnico e conhecedor de pedigrees do turfe brasileiro, José Paulino Nogueira (Haras Bela Esperança, Campinas, São Paulo), embora tenha mantido em seu Haras um ótimo padrão produzindo muitos ganhadores clássicos, na verdade, um percentual clássico de primeira grandeza, não dispunha de dinheiro suficiente para importar garanhões e éguas de alto valor. Naturalmente, ele e os outros bons criadores à época iam procurar animais na Europa, fonte maior de qualidades e sanidades.

José Paulino, estudioso diário de pedigrees, leitor assíduo das Tábuas de Bobinski, com uma profunda sensibilidade nas combinações sanguíneas tinha, além de tudo enriquecer os seus conhecimentos no Uruguai, terra do Don Juan Amoroso com o seu Haras Casupá. Don Juan Amoroso tinha grande saber, e era chamado de Tesio Sul-Americano.

Ele deu as luzes mestras para que o Dr. Paulino e, também, os irmãos Seabra, internacionalizassem ao máximo os pedigrees de seus produtos. Roberto e Nelson Grimaldi Seabra chegaram ao extremo de tentar trazer para o Brasil o maior nome da criação russa, Anilin, que participou das grandes provas do turfe mundial. Anilin nasceu em 1961, e ganhou e se colocou em provas do padrão do Arco do Triunfo, de Washington D.C. (internacional) e do que havia de melhor à época no mundo. Roberto chegou a dirigir-se, diretamente, às autoridades políticas russas, mas a hermética linha política russa não permitiu.

Os irmãos Seabra já eram os responsáveis pelo primeiro “shuttle” para o Brasil, pois em 1940 nasceu na Itália, durante o período da Segunda Grande Guerra Mundial, 1939-1945, o cavalo Orsenigo, ganhador do Derby Italiano em 1943, e que era filho de uma ótima égua italiana com o garanhão alemão Oleander. Os irmãos Seabra conseguiram trazer Orsenigo em 1952, aqui ele deixou três pequenas gerações e foi um grande sucesso (Escorial-foto, Lohengrin, Emoción, etc.). Essa procura da maior internacionalização possível era uma das luzes de Don Juan Amoroso.

Os Haras brasileiros mais fortes da época eram o Mondesir, que trazia preferencialmente cavalos e éguas da Inglaterra (Royal Dancer, King Salmon, Swallow Tail, etc.). O São José e Expedictus que privilegiavam a criação francesa (Formasterus, Fort Napoleon, Felicio, etc.), e ainda outros grandes como Faxina (Sandjar) e, por ai vai, todos muito bons Haras e com grande poderio financeiro. Não era o caso do Bela Esperança, de José Paulino Nogueira, que estudava diariamente, às linhas femininas que estavam dando certo na Inglaterra e na França. Servindo-se dos olhos do inglês Walter Noble, que acompanhava pessoal e diariamente as corridas, encomendava cavalos para a reprodução que tivesse tido campanhas curtas nas pistas, promessas interessantes e que por quaisquer motivos, e que por não terem atingido o estrelato, por terem encerrado a campanha nas pistas antes dos páreos mais representativos, tinham preços muito mais módicos, mas sempre dentro dos sangues convenientes.

Foi assim que José Paulino Nogueira trouxe Seventh Wonder e Tintoretto, que se mostraram ótimos garanhões clássicos (só com diminutos exemplos, com uma Seventh Wonder, Jocosa, ganhou o Grande Prêmio São Paulo; com um Tintoretto, Estouvado, venceu a Tríplice-Coroa Paulista). Mais na frente importou da França o alazão Pharas, que foi o “coelho” da escuderia Boussac em muitas das grandes provas francesas.

Quando o Dr. Paulino comprou Pharas, que havia tido um problema em um anterior, ele me disse que o preço tinha sido acessível porque a mãe dele, a ótima Astronomie, só tinha tido antes de Pharas, filhos com Djebel, que tinham sido muito bons corredores, mas que não haviam correspondido na criação, o que, na opinião do Dr. Paulino, era o resultado provável pela inadequação da cruza, mas Pharas era um Pharis, cruza perfeita com Astronomie. Além disso, Pharas era francês, e iria cobrir filhas de linhas inglesas.

Pharas foi um ótimo garanhão, e só para dar um exemplo, o seu filho Zenabre(foto) foi bicampeão do Grande Prêmio Brasil. Zenabre era Pharas em Remington, égua de criação do Bela Esperança filha de Seventh Wonder em Sultan’s Way, uma inglesa. Mesmo com recursos financeiros limitados para o alto grau de competitividade e valores, José Paulino trouxe um pretencioso inglês de nome Eboo, um filho de Umidwar e Theresina, uma das fundamentais linhas femininas da Inglaterra. No mesmo ano de Zenabre nasceu Zaluar, filho de Eboo e Sumatra, por Seventh Wonder e Zoraya, por Owen Tudor e Nokka (essa Nokka era irmã própria de Djebel). Zaluar foi um excepcional milheiro, mas tinha o mau gênio do pai Eboo, Zaluar cruzava a linha de chegadas e parava, não havia como fazê-lo continuar. Não passava duas vezes pela linha de chegadas, cruzava pela primeira vez e parava. Eboo deu um outro ótimo filho, Morumbí, com a égua Etincelante, por British Empire.

Sua loucura mostrou-se pela primeira vez quando foi correr na Gávea a primeira prova da tríplice-coroa. Era um dos ou mesmo o favorito, tinha sido um ótimo 2 anos, ia montado por Luiz Rigoni, e o maior competidor era Quiproquó, que acabou sendo tríplice-coroado naquele ano. Morumbí negava-se terminantemente a entrar no partidor, e quando Rigoni teve que usar o chicote, ele ai embraveceu de vez e teve que ser retirado.

Uma ou duas semanas depois, galopando na pista pequena de areia na Gávea, derrubou o galopador, pulou a cerca interna, disparou pelo miolo da pista e atirou-se no lago ainda lá existente. Foi levado para São Paulo, para um clube Hípico e foi equitado por profissional habilitado. Voltou à Gávea e, ainda veio a vencer o Grande Prêmio Major Suckow, mas correndo por etapas, acelerava e diminuía, sem quaisquer possibilidades de controle pelo jóquei. Foi vendido para a reprodução e, alguns de seus filhos, mostraram-se muito geniosos como o pai. Esse foi o caso do Eboo, que evidentemente, só foi vendido para fora da Inglaterra pelos seus difíceis problemas.

A prática e a história mostram que a internacionalização dos pedigrees, uma das luzes de Don Juan Amoroso, o uruguaio do Haras Casupá, é uma realidade. Turfe não é matemática, mas o saber e a experiência contam muito. Há que se entender que os veículos dos sangues nobres têm que ter real qualidade. Aquele que para muitos foi o melhor corredor brasileiro de todos os tempos, Farwell, de criação do Haras Jahú dos irmãos Almeida Prado, era filho do inglês Burpham, que havia sido ótimo milheiro em seu país, e filho do chefe de raça Hyperion. A mãe de Farwell era Marilú, uma excelente potranca clássica, nascida e criada no Haras Bela Esperança de José Paulino Nogueira, uma égua brasileira, paulista. O pai de Marilú era Wood Note, um Bois Roussel de linha alta francesa de fundo. A mãe de Marilú era Tower Bridge, uma francesa filha do inglês Gold Bridge. Depois da morte de Don Juan Amoroso, o Tesio Sul-Americano, e do posterior fechamento das porteiras do Haras Nacional e depois do Haras Uruguay, de Aureliano Rodrigues Larreta, o turfe uruguaio entrou em declínio, a criação perdeu muito da sua qualidade.

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