Turfe, uma vida de paixão: J.F.Reis » Jockey Club Brasileiro - Turfe

Turfe, uma vida de paixão: J.F.Reis

“Ele foi o cavalo que me impulsionou. Se o Itajara não tivesse passado pela minha vida, talvez eu não tivesse tido sucesso como jóquei, mesmo sendo considerado por muitos um bom piloto na época.”
 
A frase sincera e com sentimento de gratidão, me foi dita por José Ferreira dos Reis, o popular Reisinho, personagem principal dessa reportagem. 
 
Nascido em Paulino Neves, no Estado do Maranhão em 1967 e filho de José e Margarida, Reisinho cresceu numa fazenda, perto dos cavalos e de outros animais. Aos 11 anos de idade, após a separação dos pais, desembarcou no Estado do Rio de Janeiro, onde segue construindo sua trajetória pessoal e profissional.
 
“Quem me levou ao Jockey pela primeira vez foi uma pessoa que me ajudou bastante, chamada Álvaro. Ele sabia que eu gostava de cavalos, daí resolveu me levar ao Hipódromo. Na época, o público em geral só podia ficar na terceira tribuna, e dali, eu me apaixonei pelas corridas de cavalo e pelos cavalos de corrida. Ele me apresentou ao Jaime Aragão, com quem trabalhei um tempo. Logo em seguida me lembro de ter ido para a cocheira do Antonio Ricardo, pai do Ricardinho, onde aprendi muito por lá. Eu montava os cavalos dele e os levava para caminhar nas vilas.”
 
Do caminhar cavalos nas vilas a entrar na Escola de Profissionais do Turfe levou apenas um ano. Como aluno da escolinha, quando ficou sabendo que seria o próximo a estrear como aprendiz, falou para o Sr. Valter Cunha que achava melhor ficar mais um tempo como aluno pois queria melhorar e se aperfeiçoar um pouco mais em cima de um cavalo. Dito isso, Cunha o passou para o final de uma fila de 10 meninos. 
 
“O Sr. Valter me escutou, mas disse que já que eu queria esperar um pouco mais, então eu iria para o final da fila. Quando fui considerado apto novamente, saí junto com o C. Lavor. Estreei como aprendiz com 15 anos de idade e tive um começo promissor. Eu e Lavor ganhamos algumas corridas. Uma pessoa que me ajudou e me ensinou muito no início da minha carreira foi o Sr. Mario CT, ele me obrigava a trabalhar os cavalos sem o uso de relógios. Tinha que ser na cabeça mesmo. Logo que passei a jóquei, firmei contrato de segunda monta com o Haras São José & Expedictus, de propriedade da Família Paula Machado. A preferência das montarias era do Joelson Pessanha.”
 
Ali, no Haras São José & Expedictus, foi onde Reisinho encontrou o cavalo mencionado por ele na frase que abre essa entrevista. 
 
“O Pessanha não estava podendo montar devido a uma queda, e eu fui chamado para galopar uns potros. Me surge um castanho lindo na minha frente e depois de uma partida de 600 metros que fiz nele, quando desci do cavalo, ainda impressionado com o que eu tinha visto, virei para o Francisco Saraiva (treinador) e falei para ele que aquele era o melhor cavalo que ele teria em suas mãos por toda a vida dele.
 
Itajara era uma máquina de correr, impressionante. Com a impossibilidade do Pessanha atuar, eu o montei nas três primeiras corridas dele e ganhamos todas. O cavalo foi inscrito na primeira prova da Tríplice Coroa e na semana da corrida, o Pessanha já estava liberado para montar e tivemos uma reunião na cocheira 34, onde o Sr. Linneo perguntou a ele como estava se sentindo e se ele iria montar o Itajara na primeira prova.
 
O Pessanha era muito bom jóquei, mas estava voltando de lesão e não se sentia confiante o bastante para uma prova daquela importância, ainda mais porque ele nunca havia montado o cavalo. Ali foi batido o martelo de que eu iria continuar montando.
 
Nosso encontro, meu com o Itajara, foi meio que por um acaso, coisa do destino mesmo. Chegou o dia do páreo e Itajara não só venceu como bateu o recorde da distância. Fomos Tríplice Coroados. Ele foi o cavalo que me impulsionou. Se o Itajara não tivesse passado pela minha vida, talvez eu não tivesse tido tanto sucesso como jóquei, mesmo sendo considerado por muitos um bom piloto na época.”
 
Sobre seus tempos em que montava, diz que a concorrência era forte demais na época.
 
“Eu montei contra diversos jóqueis muito bons. Tinha Lavor, Ricardinho, Goncinha, Juvenal, Audálio Machado, J. Aurélio… 
 
Pergunto se ele consegue destacar um desses pilotos e o porquê. Ele cita três: 
 
“Ricardinho sempre foi o osso duro de roer. Nunca vi um profissional tão exemplar e dedicado. Não existe outro igual, e ele é assim até os dias de hoje.
 
Juvenal foi um fenômeno. Nunca vi um jóquei para correr um cavalo vindo de trás como ele fazia. Um gênio, simples assim!
 
E tem o Goncinha também. Esse era muito habilidoso e montava fino, além de ser um cara muito inteligente. Eu tinha prazer em conversar com ele. 
 
Aprendi muito com essa turma toda e hoje, me sinto na obrigação de transmitir um pouco do meu conhecimento a essa garotada que está chegando.”
 
Reisinho montou profissionalmente por 18 anos e após travar uma longa e dolorosa briga com a balança, se viu obrigado a parar de exercer a profissão por questões de saúde.
 
“Era muito sofrimento, tinha dias que eu tinha que perder até 6kg, eu tomava muito remédio e chegava a dar duas voltas correndo na Lagoa. Teve um dia que o corpo cobrou a conta. Tive uma anemia muito forte e acabei tendo que ficar internado num hospital para tomar ferro. A Fabiana, minha esposa, chegou para mim e me deu um ultimato. Ou parava de montar ou então eu teria um problema de saúde mais grave que poderia até mesmo me levar à morte. O meu irmão Léo, que já treinava na época, também me pressionou a parar. Leo é um parceiro muito grande até os dias de hoje. Eu o iniciei no turfe e anos mais tarde ele veio a me apoiar bastante no meu início como treinador. A transição para a carreira de treinador não foi tão complicada porque eu era um jóquei que sempre fui curioso e gostava muito de frequentar as cocheiras, principalmente a do Bebeto Morgado (Treinador R.Morgado Jr.).
 
Nesse início como treinador, também pude contar novamente com o Sr. Mario CT , com o Sr. Claudio Ramos do Haras LLC e, não posso deixar de mencionar, o Sr. José Luiz Marinho que me deu os primeiros cavalos para eu treinar. Depois de pouco mais de um mês treinando, obtive minha primeira vitória.”
 
Sobre essa transição Jóquei x Treinador, pergunto o que é mais difícil. Veloz como o Itajara, Reisinho responde sem hesitar que ser treinador é muito mais complicado.
 
“Treinar é muito, mas muito, mais difícil! O jóquei, por exemplo, monta dez cavalos num dia, cruzou o páreo, acabaram as corridas, ele toma o banho dele e vai embora para casa. No treinamento, se você não se dedicar aos animais de forma integral, se não participar do dia a dia do cavalo, você não terá êxito. Lidar com cavalos de corrida é um quebra-cabeça dos grandes!
 
Nesse tempo todo que tenho como treinador, uns vinte anos, já me perguntei diversas vezes se eu havia desaprendido a treinar cavalos. Você está lidando com animais, eles não falam, mas se expressam. Você tem que conhecer o animal que está em suas mãos, você precisa saber o porque ele não comeu a ração na noite anterior, por exemplo, entre outras tantas coisas que ele demonstra para gente. E isso é no dia a dia. Além de termos que contar com uma equipe afinada, principalmente os cavalariços. 
 
Eu não gosto de pôr a culpa em jóquei quando o meu cavalo não corre bem, se eu jogo a culpa neles, eu não vou me aperfeiçoar. Eu tenho que buscar entender o que aquele cavalo está precisando para fazer uma próxima corrida melhor do que a anterior. Eu vou atrás do que aconteceu quando um cavalo meu fracassa.”
 
Reisinho é um profissional querido entre seus companheiros de profissão, jóqueis e proprietários. Vitorioso como jóquei tanto quanto como treinador, sobre a sensação de ganhar um páreo, afirma categoricamente que estar em cima do cavalo a adrenalina é grande, que a euforia do momento faz com que se vibre bastante, mas como treinador, o significado vai além do fato de cruzar o disco na frente dos adversários.
 
“Hoje valorizo muito minhas vitórias como treinador, mais por conta das dificuldades do dia a dia que são ocultas aos turfistas. Tem dia que o cavalo não come direito, tem dia que ele amanhece com dor, às vezes manca na semana da corrida… quando ganha eu me sinto muito realizado. Por mim e pela minha equipe.
 
Já corri cavalo que era barbada e ele fracassou, assim como já corri cavalo que eu achava que ele tinha apenas uns 30% de chance de vitória e o cavalo vai lá e ganha. É o ápice quando isso acontece. 
 
Eu tenho quatro Grupos I como treinador, entre tantas outras vitórias, mas a que mais me marcou foi com um cavalo de 8 anos vindo de São Paulo. Eu já estava trabalhando no CT Vale do Cuiabá e não ganhava uma corrida há dois meses. No dia que esse cavalo correu, eu estava na serra, meu segundo gerente que recebeu o cavalo no Hipódromo. Liguei a TV na hora do páreo e quando entrou a reta, todo mundo brigando e, de repente, aparece aquele cavalinho de apenas 400kg por fora de todo mundo e pimba! Gol! Eu gritei tanto… você não imagina o quanto beijei esse cavalo no dia seguinte.”
 
Ao passar a limpo a trajetória de J. F. Reis como treinador, é impossível não lembrarmos da tragédia ocorrida na região serrana em 2011, por conta das chuvas fortes. Na época, trabalhando no CT Vale do Cuiabá junto com outros quatro treinadores, Reisinho viu sua vida se transformar da noite para o dia.
 
“Eu vou te contar que eu e minha família, a gente faz aniversário duas vezes ao ano. Um é na data que a gente nasceu e o outro no dia que aconteceu isso tudo. Eu nunca vi uma coisa tão assustadora como o que aconteceu. Perdemos muitos amigos nessa tragédia e eu digo com toda a certeza do mundo que nós renascemos naquela madrugada.
 
No condomínio onde eu morava, de umas quinze casas, apenas três ficaram de pé. Sou muito grato a Deus por estarmos vivos. Me lembro de quando a água entrou lá em casa, e de forma muito rápida, eu já estava com lama na altura do peito. Subi em um muro e coloquei meus filhos e minha sogra no segundo andar da nossa casa.
 
Assim que eu puxei a Fabiana, minha esposa, e eu subi junto com ela, o muro foi levado pela enxurrada. Fomos para dentro do banheiro que a gente tinha no segundo andar, e quando vimos, metade da nossa casa foi arrastada. No dia seguinte, meu irmão Leo chegou lá na serra. O primeiro a acessar o CT foi o Pedro Alencar que chegou de helicóptero e pousou no meio da pista. Ele que conseguiu levara minha família em segurança para o Rio.
 
Eu ainda fiquei mais uns três dias lá na região, atordoado, mas procurando por pessoas, ajudando pessoas, sendo ajudado e ajudando os animais que estavam super assustados. Muitos se soltaram, se perderam, alguns adoeceram e outros acabaram morrendo.
 
Éramos eu, Leo Cury, Marcos Ferreira, Juliana Dias e Claudia Cury lá no Cuiabá. Foi um período bom demais, estávamos sempre juntos, sempre assando uma carne e colocando a conversa em dia. O Leo Cury até hoje me diz que as águas levaram um pouco de nossa essência, do que a gente sempre gostava de fazer. 
 
Com os olhos marejados, Reisinho recorda com carinho do treinador Marcos Ferreira que faleceu recentemente por complicações causadas pela COVID-19. 
 
“Marquinhos se tornou muito meu amigo nesse período do Cuiabá. Ele era solteiro na época e tinha o sonho de ser pai, vivia lá em casa e adorava meus filhos. Estava sempre com a gente. Às vezes, quando não tinha nada para fazer, me ligava e ia lá para casa para conversar, assar uma carne…Foi um irmão que a vida me deu de presente, sempre muito atencioso e amigo.”
 
Em seu retorno ao Hipódromo da Gávea, Reisinho disse ter contado com a ajuda de muitas pessoas, até de anônimos. O período de reconstrução foi duro. Não gosta de citar nomes para não acabar sendo injusto ao esquecer de alguém, mas destaca que Mauro Dias, titular do Stud Amigos da Barra, foi uma das pessoas que mais pôde fazer por ele, e com alguns cavalos novos sob sua responsabilidade, as vitórias voltaram a aparecer. Católico, a cada páreo que um pensionista seu cruza na frente, o gesto se repete: Reisinho é visto comemorando com os dedos apontados aos céus.
 
“As pessoas sempre veem o meu gesto, mas não sabem o que passa na minha cabeça, o que eu falo, o que eu penso. É sempre um agradecimento.”
 
Atualmente com 34 cavalos sob sua responsabilidade, vibra com o momento que vive pessoal e profissionalmente. Considera-se um cara simples, de bem com a vida. 
 
“Eu acho que já ganhei bastante coisa aqui dentro. Ganhei quase todos os GP´s como jóquei e tenho bons resultados como treinador. Hoje, me sinto muito bem na Gávea com a minha família. Meus filhos estão estudando, estão crescendo e sinto que precisam muito de mim por perto deles, então me seguro por aqui. Meu maior desejo hoje é um dia ainda voltar a treinar em um Centro de Treinamento na serra, onde acho que eu poderia ter mais oportunidades ou então ir para fora do país. Tenho o desejo de conhecer o treinamento dos cavalos de corrida na América. Tenho a ambição de partir para novas e maiores aventuras, aprender mais… 
 
O Reisinho é esse cara que tem o coração maior do que ele. É um cara feliz, que gosta de ajudar ao próximo e se sente realizado por isso. Fora do ambiente do turfe, procuro me distrair um pouco indo a praia, gosto de sair para almoçar ou jantar com a família, e quando o trabalho permite, curto tirar uns dias de descanso com eles viajando por ai.”
 
Texto e fotos: João Cotta
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