Quando Rock Of Gibraltar completou sua incrível sequência de sete vitórias de Grupo I, entre 7 de outubro de 2001 e 8 de setembro de 2002 (Grand Criterium, em Longchamp; Dewhurst Stakes, Newmarket; 2000 Guineas, Newmarket; Irish 2000 Guineas, Curragh; Saint James Palace Stakes, Ascot; Sussex Stakes, Goodwood; Prix du Moulin de Longchamp, Longchamp) –, quebrando o recorde anterior (de seis), pertencente ao lendário Mill Reef (Derby Stakes, Eclipse Stakes, King George, Arco do Triunfo, Prix Ganay e Coronation Cup) – a mídia mundial rendeu-se ao fato de estar diante de um novo gigante das pistas. E passou a chamá-lo de “The Rock.”
No “Timeform – Racehorses of 2002” (pág. 823), há uma interessante comparação entre os dois animais, resumida da seguinte forma:
“Rock of Gibraltar, cotação de 133 libras-peso no “Free Handicap” de 2002, não pode ser elevado ao mesmo nível de Mill Reef (141 libras-peso) pelo simples fato deste último ter vencido suas principais provas por uma margem, medida em corpos, notadamente mais ampla: seis corpos no King George; três no Arc du Triomphe; dez no Prix Ganay; quatro no Eclipse Stakes, sobre o tordilho Caro; oito no Coventry Stakes; e, novamente, dez no Gimcrack Stakes), o único cavalo de corrida a vencer assim, desde que o sistema oficial de graduação de provas de Grupo foi introduzido em 1971.”
O fato, porém, do “Timeform” ter chegado a compará-lo com Mill Reef, fala a favor dos méritos de Rock Of Gibraltar como corredor.
Então, parece razoável aprofundar alguns comentários e observações sobre o animal que virá fazer a monta no Brasil na estação de 2013, trazido em regime de “shuttle” sob os auspícios da APFT e alojado no Haras San Francesco, em Tatuí, SP.
Quem é Rock Of Gibraltar
Nascido em 1999 na Irlanda, medindo 1,62 m, o castanho Rock of Gibraltar é filho de Danehill (Danzig e Raziana, por His Majesty) e Offshore Boom (Be My Guest e Push a Bottom, por Bold Lad e River Lady, por Prince John).
Nas pistas, foi apresentado 13 vezes, para vencer 10 corridas, e tirar 2 segundos, entre os anos de 2001 e 2002, na Inglaterra, Irlanda, França e EUA.
Seu pedigree apresenta algumas particularidades, quais sejam:
(i) ele é “inbred” 3 x 3 sobre Northern Dancer (via Danzig e Be My Guest), e 4 x 4 x 4 sobre Natalma (a notável filha de Native Dancer, mãe de Northern Dancer);
(ii) sua terceira-mãe, River Lady, produziu sete ganhadores, entre eles a Riverman (pai de Irish River, entre outros), excelente corredor e líder das estatísticas de reprodutores na França.
Rock of Gibraltar correu aos 2 e 3 anos de idade, abordando distâncias entre os 1.000 e os 1.600 metros. A seqüência de suas apresentações é a seguinte:
(1) Estreou em 21 de abril de 2001 no Curragh, Irlanda, 1.000 metros, grama, e ganhou seu “maiden”, em cânter; em 19 de junho, foi a Ascot e entrou descolocado no Coventry Stakes (Grupo III), 1.200 metros; retornou ao Curragh, em 1° de julho, e levantou o Railway Stakes (Grupo III), 1.200 metros; em 22 de agosto, venceu, em York, o Gimcrack Stakes (Grupo II), 1.200 metros; em 14 de setembro, correu e ganhou o Champagne Stakes (Grupo II), 1.400 metros, em Doncaster.
No dia 7 de outubro de seus 2 anos, atravessou o Canal, foi a Longchamp, e registrou a primeira vitória de Grupo I de seu cartel, nos 1.400 metros do Grand Criterium. Treze dias depois, voltou a Newmarket, e anotou a segunda: o tradicional Dewhurst Stakes (veja o vídeo à esquerda), também em 1.400 metros.
Em suma, aos 2 anos, apresentou-se sete vezes, de abril a outubro, entre 1.000 e 1.400 metros, em três países, uma campanha considerada relativamente árdua para um juvenil europeu.
Ao final de 2001, tinha levantado £ 372,581 em prêmios, tendo sido classificado como o segundo melhor potro de 2 anos da Inglaterra no Handicap Livre daquele ano (o primeiro foi Johannesburg, invicto em sete saídas às pistas, e considerado, à época, o “fenômeno juvenil” da cocheira de Aidan O’Brien).
(2) Após um merecido descanso de seis meses, voltou a competir no dia 4 de maio de seus 3 anos, vencendo o tradicional 2000 Guineas (Grupo I), 1.600 metros, Newmarket, primeira prova da tríplice-coroa inglesa de produtos, o terceiro Grupo I da seqüência antes mencionada.
O quarto Grupo I, veio no dia 25 de maio de 2002, quando brincou com os adversários no Irish 2000 Guineas, 1.600 metros, no Curragh (ver filme à direita). O quinto, em 18 de junho, no Saint James Palace Stakes, 1.600 metros, Ascot. O sexto, a 31 de julho, no Sussex Stakes, 1.600 metros, Goodwood. O sétimo, na França, novamente, no Prix du Moulin de Longchamp, dia 8 de setembro, também na milha.
Sua campanha foi encerrada no dia 26 de outubro de 2002, em Arlington Park, EUA, do outro lado do Atlântico, quando, franco favorito, deixou-se bater por meio corpo por Domedriver (um bom filho de Indian Ridge, radicado na França, hoje reprodutor) quando da disputa da Breeders’ Cup Mile.
Sobre esta última corrida, a melhor opinião é do conhecido comentarista americano, Andy Beyer, que depois da prova, afirmou: “Se tivesse sido montado por qualquer jóquei americano – de nível médio que fosse – teria ganho.” E se referindo à crônica européia, completou: ”Quando é que vão aprender que as pistas americanas não possuem aquelas longas retas a que vocês estão acostumados?”
Tudo isso, vem a propósito da forma de correr de Rock Of Gibraltar, e da exagerada confiança nas virtudes do potro, demonstrada por Mike Kinane, seu jóquei (na foto com Rock Of Gibraltar e Sir Alex Ferguson), quando da disputa da Breeders’ Cup Mile de 2002.
Tendo largado mal, Kinane manteve Rock of Gibraltar no fundo do pelotão (penúltimo, num lote de 14 cavalos) durante toda a reta oposta. E lá permaneceu até a entrada da reta final (mais curta que o normal), quando ainda teve de desviar-se do acidente fatal que vitimou Landseer, seu companheiro de cocheira.
Embora tenha descontado toda a enorme vantagem dada aos outros competidores, o disco já havia chegado quando ele ainda estava a meio corpo de Domedriver (impecavelmente corrido por Thierry Jarnet na ocasião).
Mas foi assim, que Rock of Gibraltar sempre atuou: um soberbo milheiro que costumava vir de trás, e usava sua devastadora troca de marcha para decidir seus confrontos a partir dos 400 metros finais. Foi isso que seu jóquei tentou fazer em Arlington. Algo quase impossível.
Dele, na ocasião, há duas opiniões, que convém mencionar: primeiro, a de Wayne Lukas, o treinador americano recordista de vitórias na Breeders’ Cup: “Rock Of Gibraltar é um monstro.” A segunda, do próprio “Timeform” (pág. 829, “Racehorses of 2002”): “Trata-se de um cavalo sério, de trato muito fácil, com suficiente velocidade para ser corrido em qualquer posição do lote em que o jóquei o resolver colocar.”
Rock of Gibraltar foi eleito pela crônica o “Champion 3-years-old da Europa em 2002” e levantou, no total, £ 1,269,970 em prêmios.
Rock of Gibraltar na reprodução
Levado para a reprodução em 2003, e estacionado no Coolmore Stud, Irlanda (inicialmente a 90.000 euros a cobertura…), seus primeiros produtos estrearam em 2006. Entre 2003 e 2009, serviu em regime de “shuttle” na Austrália, e durante o ano de 2007, no Japão, país ao qual retornou algumas vezes.
De 2003, até dezembro de 2009, o cavalo de Susan Magnier e Sir Alex Ferguson (aliás, “general manager” do Manchester United), que comprou uma parte do animal após a derrota no Coventry Stakes, já produziu dezenas de ganhadores de Stakes na Inglaterra e no exterior. Na Inglaterra, a distância média das provas vencidas por seus filhos é de 1.740 metros.
Entre eles, destacam-se nove ganhadores de provas de Grupo I, a saber:
. o alazão dourado Varenar (em mãe por Mr Prospector), da criação Aga Khan, nascido em 2006, brilhante vencedor do Prix de La Forêt (Grupo I), Longchamp, em 2009, batendo a campeã Goldikova (como seu pai, Varenar correu os 1.400 metros do La Forêt vindo de trás, e acelerando nos 300 metros finais);
. a inglesa Diamondrella (em mãe por Dixieland Band), ganhadora do First Lady Stakes, em Keeneland, e do Just a Game Handicap, em Belmont, ambos disputados sobre 1600 metros, pista de grama;
. Mount Nelson (em mãe por Selkirk), Eclipse Stakes (2000 metros), em Sandown Park, e Criterium International, em Saint-Cloud;
. Eagle Mountain (em mãe por Darshaan), (foto) ganhador da Hong Kong Cup (2000 metros), em Sha Tin, segundo no Derby Stakes, Epsom (2.400 metros), e na Breders’ Cup Turf (2400 metros), em Santa Anita, para Conduit, o único bi-campeão da prova;
. Society Rock (em mãe por Key of Luck, descendente de Danzig), ganhador do Golden Jubilee Stakes, em Royal Ascot, e do Sprint Stakes, em Haydock Park, ambos em 1.200 metros;
. Samitar (em mãe por Rainbow Quest), ganhadora do Irish 1000 Guineas, no Curragh, e do Garden City Stakes (1800 metros, pista de grama), em Belmont Park;
. o australiano Rock Kingdom (em mãe por St. Covet, de pedigree outcross), vencedor do Epsom Handicap (1600 metros), em Randwick.
. o também australiano Seventh Rock (em mãe por Rubiton, da linhagem Tourbillon), corrido na África do Sul, onde venceu o Medallion Stakes (1200 metros), em Scottsville;
. Europa Point (mãe por Woodman, por Mr Prospector), nascida na Irlanda e corrida na África do Sul, onde venceu o Empress Club Stakes (1600 metros), e o President’s Champion Challenge Stakes (2000 metros), ambos em Turffontein.
Além desses, há 37 outros ganhadores de provas de Grupo em 10 países: Inglaterra, França, EUA, Japão, Alemanha, Itália, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Peru.
Misturas que funcionam
Não é preciso ser um “expert” em pedigrees e origens para perceber que Rock of Gibraltar foi construído sobre Northern Dancer (foto) (uma velha paixão da Coolmore…). Mais ainda, seu perfil funcional, ou seja, a forma como ele se expressava em corrida, atende integralmente a este pressuposto.
De brilhante “sprinter” aos 2 anos, transformou-se, aos 3, num milheiro acima de qualquer avaliação. Dos melhores do turfe mundial nas últimas décadas. E com a característica de usar sua velocidade natural para permitir ser colocado onde seu jóquei o desejasse durante o percurso.
Aqui, um comentário: correr as grandes milhas de Grupo I da Europa, significa correr duas vezes 800 metros num ritmo de “trem de inferno”, como o classificam os franceses. Duas condições são necessárias: capacidade de galopar a primeira parte sem entrar em apnéia, e depois disso ser capaz de produzir trocas de marcha decisivas a partir do último quarto da disputa. Ou é assim, ou não há chance de vitória.
Em termos de adaptação à milha, Rock of Gibraltar se equipara a cavalos imortais, especialistas dessa (dificílima) distância, como Tudor Minstrel, Brigadier Gerard, Miesque, Nureyev, a extraordinária Goldikova, etc. etc.
Mas o que interessa saber para efeito deste tópico, é com quem, teoricamente, suas origens se misturam melhor.
De saída, com as descendentes de Mr Prospector, sendo a afinidade Northern Dancer – Mr Prospector bastante conhecida no turfe moderno (vide Sea the Stars, Galileo, Giant’s Causeway, etc. etc.). Este é também o caso de Varenar, criado pelo Aga Khan a partir das decisões do grupo que projeta os cruzamentos da coudelaria. Mr Propector é o avô-materno de Varenar.
Tambem é fruto deste cruzamento, a ótima égua de corrida Europa Point, que derrotou os machos no President’s Champion Challenge Stakes, na África do Sul, cuja mãe é uma filha de Woodman (por Mr Prospector).
Diamondrella (foto) tem como avô-materno o americano Dixieland Band, um bom Northern Dancer, pai, na Europa, de Egyptband, ganhadora do Prix de Diane (Grupo I, Chantilly). No caso, estamos diante de um novo reforço – beirando a saturação – sobre Northern Dancer.
Esta mesma estrutura – Rock of Gibraltar em égua filha de descendente de Northern Dancer – pode ser observada no pedigree do muito bom sprinter Society Rock, vencedor do Golden Jubilee Stakes em Royal Ascot, cuja mãe é uma filha de Key of Luck, por Chief’s Crown, este por Danzig. Note-se a consangüinidade de 3×4 sobre Danzig.
Mount Nelson, por sua vez, é filho de uma filha de Selkirk (Sharpen Up e Annie Edge, por Nebbiolo). O igualmente milheiro Selkirk, eleito “Champion 3-years-old Miler da Europa”, em 1991, alazão claro (forte como um touro), 1,69 m de altura, é linhagem de Native Dancer. De novo, juntar Northern Dancer e Native Dancer não causa espécie. Os dois se combinam muito bem.
Finalmente, a mãe de Eagle Mountain é filha de Darshaan. Mais uma obviedade em matéria de mistura de sangues. O cruzamento de descendentes de Northern Dancer (principalmente via Sadler’s Wells) com mães por Darshaan – uma das jóias raras da criação Aga Khan, pai de Dalakhani, entre outros – é algo consagrado nos anais do turfe europeu, com dezenas de vencedores de Grupo I produzidos pela fórmula.
Ao analisar as origens dos demais ganhadores de Grupo II, III, e “listed races” de Rock of Gibraltar, verifica-se praticamente uma repetição das alternativas acima mencionadas. O turfe moderno, cada vez mais competitivo, tende a descartar improvisações em matéria de linhagens e cruzamentos; copia-se o que deu certo. E não há nada de errado nisso.
Mas neste turfe, também nada ocorre por acaso. Em outras palavras, os supostos “acasos”, quando examinados a fundo, refletem apenas um implacável método, e atendem às necessidades de – ao contrário do que se imagina – tentar prevenir sua hipótese.
A respeito de Rock of Gibraltar, o Stud Book Brasileiro apresenta uma vasta e variada gama de matrizes que atendem às premissas acima expostas. Selecioná-las é apenas uma questão de bom senso.
Mais uma rocha entre nós
Tem sido notável o esforço dos criadores brasileiros para trazer ao país reprodutores da qualidade de Royal Academy, Trempolino, Sinndar, Linngari, Sulamani, Peintre Célèbre, Elusive Quality, Macho Uno, Shirocco, Refuse To Bend, Point Given, Manduro, Roderic O’Connor, Soldier Of Fortune, Holy Roman Emperor, entre vários outros. E, agora, Rock Of Gibraltar.
Isso tudo, sem mencionar reprodutores já provados, como Crimson Tide e Wild Event, apenas para citar dois exemplos, além de outros que aqui se encontram em caráter permanente.
No fundo, são sobre esses pilares que iremos construir o futuro do moderno cavalo de corrida brasileiro, cujo destino – diante da precariedade da atual estrutura do turfe entre nós – tende a ser, preferencialmente, o da exportação.
Não se pode, por outro lado, deixar de mencionar o conceito que tem orientado a vinda da maioria desses sementais, ainda que temporariamente, para o Brasil, qual seja o de manter a tradição centenária que nos liga ao turfe europeu. Com a virtuosa conseqüência da produção de animais sãos, livres de medicação, aptos, não só a abordar distâncias maiores que a milha, como de se adaptar de forma mais fácil aos testes de peso por idade a partir dos 4 anos.
Pois parece ser aí – e não na disputa por mercados da velocidade pura – que residem nossas maiores oportunidades de inserção na indústria internacional do PSI.
Diante do crescimento do PIB brasileiro, tudo leva a crer que, mantida a tendência, os próximos tempos da criação entre nós se parecerão em muito com os anos dourados do pós-guerra, quando conseguimos trazer para o Brasil o que havia de melhor no continente europeu em matéria de origens.
Da Redação – fotos: Internet