A ótima joqueta Joseane Gulart, já de algum tempo um grande destaque em sua profissão, enfrentando com valentia e categoria os melhores jóqueis paulistas, provoca manifestações interessantes. Uma delas é que, por ser mulher, não teria pulso suficiente para enfrentar de igual para igual os bons homens-jóqueis. Mesmo com as habituais vitórias que a levam ao alto das estatísticas, há sempre alguém a dizer coisas desse tipo.
Isso me faz lembrar, para não falar dos atuais jóqueis em atividades e fugindo dos nacionais, o que ocorria à época da grande escola chilena de jóqueis, que já não existe mais. Os melhores jóqueis chilenos que eu vi montar, no eixo Rio-São Paulo, foram em desordem Luiz Gonzalez, Francisco Irigoyen, Emidgio Castillo, Oswaldo Ulloa, Juan Marchant, Gabriel Menezes e Luiz Dias, se não me falha a memória. Eram todos muito bons, uns mais completos que outros, mas todos muito bons.
Passada aquela áurea época dos bons chilenos, no Chile houve um concurso entre os catedráticos para eleger qual o melhor jóquei chileno de todos os tempos. E o eleito foi Juan Marchant. Quando Marchant despontou como ótimo aprendiz em sua terra, Ulloa já havia sido o grande destaque como aprendiz e depois como jóquei, e quando Marchant passou a jóquei foi quando Ulloa veio para o Brasil, contratado pelos Haras São José e Expedictus. O estilo de Ulloa era espetacular, corria com coragem e lutava na reta com uma evidente superioridade física sobre os outros jóqueis, pois era um atleta. Pequeno, de físico invejável, chegava bem cedo ao hipódromo diariamente, e fazia ginásticas rigorosas por mais de meia hora, antes de iniciar o seu trabalho com os cavalos, sempre com selim e naturalmente estribando curto.
Nos dias de corrida, além dos exercícios de ginástica e com os cavalos, ia correr a pé do prado, fazendo o então chamado Circuito da Gávea, onde originariamente havia as corridas de “baratinhas” (hoje Fórmula Um), e que hoje seria ir do hipódromo em direção à Barra da Tijuca e onde hoje é uma extremidade da favela da Rocinha. Subia o morro e saía do outro lado, na Rua Marquês de São Vicente, voltando por ela ao hipódromo, em percurso que imagino da ordem de, pelo menos, 10 km. E à tarde Ulloa era uma verdadeira máquina em cima dos cavalos.
Uma vez perguntei a ele se não era exagero tanto exercício nas manhãs dos dias de corridas, e ele sorrindo me respondeu que era assim que se sentia bem e com preparo adequado. Na opinião do lendário Luiz Rigoni, que era o único jóquei brasileiro que enfrentava os chilenos de igual para igual, Ulloa foi o melhor de todos. Mesmo que se admita uma certa dose de amizade, não há como discutir com aquele que foi o maior de todos. Mas os experts chilenos deram a Juan Marchant o título de todos os tempos. Marchant era bem pequeno, não tinha problemas de peso, e não era um atleta, poder-se-ia dizer até que era um pouco barrigudo, ou pelo menos não tinha cintura delineada. E, na hora da luta nas pistas, era um verdadeiro espetáculo. Frio, sensível, percursos matemáticos, preciso em suas conduções. O forte de Marchant era a inteligência durante as corridas, levando em conta a qualidade e as condições de seus pilotados, o ritmo da corrida, as forças e os percursos dos adversários, em análises do que estava acontecendo. Corria na frente, no meio e atrás, corria de maneira adequada a cada páreo, e não era no braço que decidia as corridas, era nos percursos. É uma pena que Juan Marchant não estivesse mais vivo quando foi eleito o melhor jóquei chileno de todos os tempos. E, coube ao filho dele, treinador junto ao Jockey Club Brasileiro, a honra de ir a Santiago receber a honraria.
Eram dois estilos diferentes, Oswaldo Ulloa e Juan Marchant. Gabriel Menezes e Emidgio Castillo “tocavam” vigorosamente ao estilo Ulloa, já Francisco Irigoyen era mais de percurso como Marchant. Aliás, a Mãe Natureza foi boa com Irigoyen, que muito pouco trabalhava, estava longe de ser um atleta, e era habitual frequentador da noite, de festas, e como sempre dizia, “No me gusta la hípica, me gusta bailar”. Mas mesmo sem condições físicas apropriadas, Irigoyen, com uma sensibilidade e cabeça fantásticas, era de altíssima qualidade.
Esses devaneios me vêm à lembrança quando falam, com crítica equivocada, que à Joseane Gulart falta tocada, pulso. Ela é mais valente que a grande maioria dos jóqueis, monta muito bem, tem total domínio de seus pilotados, é enérgica, não é o Ulloa, mas tem o estilo de Marchant e Irigoyen, percursos precisos, inteligentes, adequados. Não é por acaso que está no alto das estatísticas paulistas. E não venham me dizer da vantagem de peso por ser mulher, pois nos páreos do calendário clássico, não há essa vantagem, e a moça segue ganhando muito. Não estou fazendo comparações de Joseane Gulart com os grandes jóqueis chilenos, o que digo é que o seu estilo de correr não é novidade, já era de alguns dos mais notáveis jóqueis que já passaram pelas pistas brasileiras.