DE QUE MATÉRIA É FEITA A CRIAÇÃO AGA KHAN
por Sergio Barcellos
Fernando Martinez é um respeitado hipólogo uruguaio e edita um interessante blog chamado Élevage yTurf (http://elevageyturf.blogspot.com/) que difunde temas especialmente relacionados com a genética do puro sangue inglês de corrida, em caráter nacional e internacional.
Em seu número de 11 de novembro de 2012, Fernando produziu um dos melhores trabalhos estatísticos já realizados sobre as origens do plantel de reprodutoras da moderna criação Aga Khan, considerada uma das melhores, senão a melhor, do turfe dos nossos dias. Para quem estiver interessado, aí vai um resumo do mencionado trabalho.
Como se sabe, a criação Aga Khan conta com quase 100 anos de existência, desde que o avô do atual Príncipe Karim Aga Khan IV (foto), 49º Imã dos Ismaelistas, começou, primeiro, a comprar, e depois a criar cavalos de corrida na Inglaterra, ainda no primeiro quarto do século XX.
Hoje, os haras Aga Khan estão situados na Irlanda (quatro deles, a saber: Gilltown, Sallymount, Sheshoon e Ballyfair) e na França (Haras de Bonneval, com 600 hectares nas melhores terras da Normandia). Gilltown é uma típica propriedade anglo-irlandesa e sua construção, em autêntico estilo georgiano, remonta ao século XVII.
As éguas-mães
Nada na atual criação Aga Khan é improvisado ou entregue ao acaso. As coberturas anuais são decididas por um grupo de trabalho, formado em sua maioria pelos veterinários dos haras, todos com amplo conhecimento das principais características das linhagens femininas à sua disposição.
Após a compra da totalidade dos plantéis Dupré, Boussac e, mais recentemente, da criação Lagardère, é natural que a pesquisa das alternativas de cruzamento tenha se alargado bastante.
Entretanto, nunca nada é decidido, antes que a equipe responsável tenha entendido de forma clara qual o tipo, as características, e a natureza mesma da matéria-prima ao seu dispor. Sob este aspecto, os métodos e conceitos da criação Aga Khan equivalem aos de qualquer grande indústria do mundo moderno.
Outra de suas características básicas, é a do contínuo descarte de éguas-matrizes (somente entre os anos de 2011 e 2012, foram vendidas mais de 120 éguas), com o propósito de prevenir a exacerbação da consanguinidade no plantel.
Famílias maternas
No que respeita às famílias maternas, 36 éguas pertencem à famosa Família 9c, que remonta à tordilha Mumtaz Mahal, a “potranca mais veloz já vista em uma pista de corrida inglesa.” Seguem-se 19 éguas da Família 13c, a de Tourzima, joia da criação Marcel Boussac, descrita pelo Aga Khan como a “rocha” de sua atual criação (“Tourzima é a rocha de minha criação, da mesma forma que Muntaz Mahal foi a de meu avô”).
Apenas como exemplo, de Tourzima descendem corredores como Darshaan, Darara, Edabiya, Ebadiyla, Enzeli, Daliapur, Karadak, Akiyda, Akarad, Labus, Sinndar, Linngari, todos ganhadores de Grupo I. E de Mumtaz Mahal, vêm nada menos que a fenomenal Zarkava (foto) (invicta), Zainta, Shergar, o tordilho Kalamoun, a legendária Petite Étoile, Nishapour, Alamshar, Shalanaya, Alandi, etc. etc., apenas para mencionar alguns dos ganhadores de Grupo I da estirpe.
A relação das famílias maternas prossegue com 14 éguas descendentes da Família 1e, a de Darazina; 10 da Família 3o, de Shamim (que não correu), mas é filha de Diamond Drop, a “rainha das pistas”; 10 da Família 9e, de Astana; 10 da Família 12c, de Kermiya; 8 da Família 20d, de Vladava, égua-base da criação Lagardère, nascida já em 1984; 8 da Família 21a, de Tobira Celeste e Hazy Idea; 6 da Família 5e, uma tribo bastante incomum, mas que remonta a Kadissia (1974), descendente de Majideh, filha do notável tordilho Mahmoud, ganhador em recorde do Derby de Epsom.
A relação se completa com mais 82 matrizes das Famílias de 4 a 16.
Reprodutores
A criação Aga Khan hoje estaciona em seus haras seis reprodutores, a saber: Azamour (filho de Night Shift); Dalakhani (filho de Darshaan); o australiano Redoute’s Choice (por Danehill), pai de 21 ganhadores de Grupo I; Sea The Stars (por Cape Cross); Sinndar (por Grand Lodge); e Siyouni (por Pivotal).
Ou seja, dois descendentes de Northern Dancer; um de Shirley Heights-Mill Reef; e três de Danzig, a sugerir a tendência secular de privilegiar velocidade em linha paterna.
Mas em relação ao plantel de éguas acima mencionado, o reprodutor mais prestigiado, atualmente, é o francês Linamix (foto), milheiro, tordilho, criação de Jean-Luc Lagardère, com 19 filhas, seguindo-se: 13 filhas de Dalakhani; 10 de Sinndar; 7 do típico milheiro e alazão, Selkirk; 7 de Kahyasi; 6 de Darshaan, 6 do também milheiro Barathea, 6 de Alhaarth e 6 de Grand Lodge; mais 5 filhas, respectivamente, de Red Ramsom, Danehill Dancer, King’s Best e Rainbow Quest; 4 do puro sprinter Zamindar (pai de Zarkava), de Sadler’s Wells, Azamour, Kalanisi e Daylami; 3 de Indian Ridge (velocidade pura), Spinning World e Peintre Célèbre; 2 de Royal Academy, Danehill, Nashwan, Rock of Gibraltar, Green Desert, Highest Honor, Anabaa, Soviet Star, Halling, Trempolino, Ashkalani, do monstro sagrado Galileo, Marju e Bahri. Com apenas 1 filha, aparecem vários reprodutores, entre os quais o alemão Acatenango, Lomitas, Kenmare, Verglass, etc. etc.
Avós-maternos
Em matéria de avós-maternos, a análise das éguas do plantel Aga Khan, indica que 26 delas são netas de Darshaan (certamente um dos maiores avós-maternos do turfe mundial em todos os tempos).
Seguem-se: Kahyasi com 16 netas; Linamix (novamente ele) com 12; Doyoun com 11; Green Dancer com 6; Woodman com 5; Mill Reef (foto), Sadler’s Wells, Zilzal e Lashkari com 4; Alzao, Last Tycoon, Kalaglow, Shernazar, Miswaki, Mr Prospector, Sagace, Red Ramson, Rainbow Quest e Top Ville com 3. Com apenas 2 netas figuram vários avós (nada menos que 21), mas novamente lá está Shirley Heights, pai de Darshaan, talvez a sugerir que durante anos a criação Aga Khan perseguiu o sangue do soberbo Mill Reef. Ele sabia o que queria.
Eis aí um perfil resumido daquele que está entre os maiores construtores do thoroughbred de nosso tempo. Mais do que isso, porém, o trabalho ajuda a revelar onde estão suas preferenciais e, porque não, onde ele e sua equipe ancoram suas perspectivas de sucesso.
Jean-Luc Lagardère disse um dia, que criar bons cavalos de corrida é tão ou mais difícil que produzir aviões e foguetes. “Na indústria aeronáutica, pelo menos sabemos com o que estamos lidando. Na criação, porém, trata-se de jogar xadrez com a natureza, uma tarefa certamente mais difícil, complexa e de resultados o mais das vezes imprevisíveis.”